Há dignidade no suicídio? - Anselmo Vasconcelos

Um tema certamente ainda muito incompreendido pela esmagadora maioria da população deste orbe é o suicídio. A ignorância acerca da realidade da imortalidade do Espírito não lhe permite ponderar adequadamente sobre tão delicado tema.

O assunto veio à minha mente devido à desencarnação do poeta Antônio Cícero (1945-2024), bem como a ampla cobertura jornalística dada ao fato. Sem dúvida alguma, ele marcou sua trajetória nesta dimensão pelo seu trabalho apurado no campo das poesias, ensaios e letras musicais tocantes, obtendo, com isso, merecido reconhecimento. Nesse sentido, pode-se simplesmente afirmar que o cidadão Antônio Cícero conseguiu um feito extraordinário, já que nem todos são exaltados em plena vida. Ao contrário. Não poucos só obtêm as láureas, se é que a conseguem, muito tempo depois da sua morte.

Enfim, a desencarnação é o encerramento de um ciclo, pois cada vida é como se fosse uma pérola do nosso colar existencial. Assim sendo, o Espírito caminha pelas encarnações sucessivas, sofrendo, lutando e aprendendo, até que conquiste a desafiante meta da perfeição. Aliás, uma conhecida frase se encaixa bem aqui – atribuída equivocadamente a Allan Kardec, conforme minucioso estudo efetuado pelo confrade Paulo da Silva Neto Sobrinho – “Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sempre, tal é a lei”. Seja de quem for sua autoria, creio que se o Codificador vivo ainda estivesse certamente a endossaria.

Mas voltando ao poeta, como sói acontecer em tais circunstâncias, recebeu justas homenagens à sua obra. Jornalistas e expoentes do universo das letras exaltaram o seu legado. E nada tenho aí a questionar, a não ser ratificar. No entanto, o que chama a atenção é como se deu a sua morte: suicídio assistido.

Padecendo de Alzheimer, e não suportando a expiação da doença, “escolheu fechar as cortinas de sua vida na Suíça de forma legal, legítima e digna”, como escreveu uma jornalista. Enquanto outro colega seu de profissão, de maneira semelhante, opinou que ele “... deixa um belo exemplo de quem seguiu, mesmo na hora da morte, pela dignidade, afirmando a vida”. 

Para nós, espíritas, o suicídio, seja por qual via for, é um ato extremamente infeliz e contrário às leis divinas, pois como explicam os Espíritos (ver resposta à questão 946 d’O Livro dos Espíritos): “Pobres Espíritos, que não têm a coragem de suportar as misérias da existência! Deus ajuda aos que sofrem e não aos que carecem de energia e de coragem. As tribulações da vida são provas ou expiações. Felizes os que as suportam sem se queixar, porque serão recompensados! Ai, porém, daqueles que esperam a salvação do que, na sua impiedade, chamam acaso ou fortuna! [...]”. Ou seja, o protagonista de tal medida certamente virá a lamentar amargamente, adiando para mais adiante a prova inevitável.

Aos que cogitam tal saída da existência, que não tem nada de digno, conforme nos ensinam os maiorais da espiritualidade, diga-se de passagem, seria muito proveitoso que lessem pelo menos o último capítulo do livro Memórias de um Suicida, intitulado “Últimos Traços”, de autoria do Espírito Camilo Cândido Botelho (psicografia de Yvonne A. Pereira), que fora eminente escritor em terras lusitanas. No capítulo citado, ele faz um balanço de seus 50 anos no além-túmulo após o trágico ato. Há ali muito material para se meditar a respeito.

Por ora, só nos resta orar por Antônio Cícero, assim como por outros que tomam conscientemente tal decisão, para que a misericórdia divina deles se compadeça.



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