Deus está distante de nós? - Christina Nunes

Olhemos para os céus estrelados, de tempos em tempos. Usualmente, realizo este exercício reconfortante, que sempre me devolve a noção correta, tanto do esplendor mais absoluto da Criação, quanto também dos seus mistérios, ainda quase que completamente insondáveis pelo intelecto do homem reencarnado. Sobre estes mistérios, há também a percepção mais acertada do que seja Deus – a Inteligência Suprema –, que tudo fez dentro e fora de nós, desde sempre e para sempre, se assim nos é permitido expressar, de maneira ainda imperfeita, uma conceituação verbal insuficiente do que seja o Criador Supremo do Universo!

Somos demasiado pequenos para compreender e definir, com mero esforço de raciocínio, aquele que idealizou e realizou toda a imensidão da existência, na qual estamos conscientemente mergulhados. Não guardo esta pretensão. Todavia, sabe-se, segundo o que consta na Doutrina Espírita, acerca de se conhecer as causas através da análise dos seus efeitos. E, deste modo, se nos detivermos com lucidez na verdade desta assertiva, compreenderemos, por percepção direta, que a Presença de Deus é imanente – e jamais, de forma alguma, acha-se distanciada de nós, em um passo que seja!

Deus é interação cotidiana

Percebo, nos contextos turbulentos da atualidade terrena, a humanidade demasiadamente mergulhada num condicionamento comportamental letárgico, a exemplo do que nos acontece quando estamos diante de um televisor. Acomodados confortavelmente em nossos sofás à noite, ou nos fins de semana, durante nosso descanso após as atividades diárias, nos abstraímos mentalmente de preocupações e da movimentação eletrizante do cotidiano para observar o que outros fazem ou interpretam!

Seja em documentários ou filmes, novelas ou seriados, nos jornais ou na programação de entretenimento, somente assistimos, impassíveis, à intensa movimentação alheia: jornalistas, atores, repórteres, cientistas ao redor do mundo – realizadores! Dedicamos, imperceptivelmente, horas e horas de nossos dias delegando a outrem o sabor incomparável da realização da vida! Da cocriação dos avanços da imensa engrenagem do mundo! E, na duração deste tempo de pausa, em muitos casos prolongado demais, quando muito, elaboramos raciocínios; trocamos alguns comentários, nos divertimos ou nos distraímos. Mas, tenho comigo que esta atitude, sem que nos apercebamos, se estende muito, nesta era tecnológica de máquinas e de informática atrativa, ao ponto perigoso da hipnose! E que isto se expande, também, da maneira mais lamentável, para o território de nossas realizações pessoais e de nosso avanço evolutivo. Para a dinâmica de nossa percepção e interação com a mágica da maravilhosa realidade Divina – bem diante, dentro, e ao redor de nós! Porque, neste hábito de se delegar demasiado a outrem poder para a construção dos fatos dos nossos tempos, nos esquecemos do muito que nos caberia realizar, lançando mão de nossos talentos, capacidade e sensibilidade!

Somente assistimos e assistimos! Quando não, praticamos nossa parcela de compromisso com a cidadania, nos nossos variados trabalhos cotidianos para a manutenção do sustento, nosso e de nossos familiares. E nos contentamos com isso! Mas a Vida é muito mais do que a luta pelo sustento material! Esquecemos que a dádiva da existência, de nos acharmos presentes aqui e agora, com talentos talvez insuspeitados, não explorados, nos possibilita e nos convida a realizar muito além, em favor do mundo, dos nossos semelhantes, e de nós mesmos!

Vida é processo! É atividade, criatividade, é interatividade! E, ainda que alguns argumentem que os avanços científicos da humanidade não podem ser, draconiana e definitivamente, rotulados como nocivos, dado que, ao modo da época em que vivemos, possibilitam uma melhoria inquestionável desta mesma interatividade tão necessária a um orbe globalizado, no entanto – e como de quase tudo pode-se dizer – há o pano de fundo inconveniente de que as facilidades desta mesma tecnologia produzem também letargia e inércia vital.

Sem embargo, milhares de pessoas se acostumam, não a fazer – mas a ver fazer! E se contentam, de forma muito inconveniente, com esta postura, que as embota e paralisa, e que em nada lhes acrescenta, num contexto de imenso e indefinido desperdício de possibilidades de melhoria para o próprio mundo, e de chances de realização própria!

Direto a Deus...

Tempos atrás, um leitor, ao que se percebia revoltado com os rumos já percorridos exaustivamente em busca das verdades maiores da vida em várias religiões, me escreveu perguntando, mais ou menos nestes termos, por qual razão deveria sempre existir um intermediário entre o seu diálogo com Deus, ou com estas verdades importantes para todos nós, de vez que a história de nossos percursos, de modo algum, se confina numa vida terrena. Para trás, ou no presente, ou de futuro, seremos sempre! Em pleno campo evolutivo, na dinâmica da eternidade, portanto, somos compelidos a dialogar com os fatos ao redor e com os nossos próprios dilemas, em busca da solução dos mesmos que, e de modo algum, se oculta somente na dialética de um estágio na materialidade!

Olhamos para os céus, e constatamos! Há muito, mas muito mais além deste lindo planeta azul pairando na orquestração do infinito; e, sobretudo, além de nós, assim como nos percebemos, neste minuto atual da eternidade! Então – questionava o leitor – por qual razão nos prendermos, ou sermos condicionados a nos colocar em regime de dependência obrigatória, para com intermediários entre nós e esta majestosa dinâmica da Vida?! Por qual razão sempre uma conta bancária, um padre, um intermediador dito "credenciado" entre a própria dignidade de participantes dos enredos da Criação, e o nosso mesmo Criador? O Autor da história, da qual somos todos protagonistas e cocriadores?

Por que, amigo leitor, nos conservarmos sentados diante do imenso televisor existencial, somente vendo, assistindo ao desempenho dos demais participantes que realizam, ousam, criam situações ou oportunidades, ou, em outros casos, interpretam histórias belas, inspiradoras como um conto de fadas, como somente o desempenho artístico consegue fazer e nos embevecer, oferecendo-nos, é verdade, alento e reconforto para a movimentação eletrizante do dia a dia? Mas, de nossa parte, por qual razão não transcendemos este papel de meros espectadores? Não experimentamos, nem criamos situações outras de interação com a Vida, com Deus, saindo em busca de respostas e de chances de compreensão e de ação mais acertadas, dentro dos enredos entrelaçados neste grande Mistério?!

Percepção objetiva de Deus

Podemos, como também me acontece, não conseguir mais, nesta altura da história humana, nos deter com sucesso na compreensão da secular exposição teórica de teologia ou das incontáveis doutrinas presentes nas religiões institucionalizadas. Nunca pude, de índole, e neste sentido, me afinizar com as terminologias elaboradas que versam sobre os aspectos da santíssima trindade, ou das ritualísticas ditas cristãs, nas suas versões autorizadas ao mundo profano.

Carece, ao que me parece, esta intrincada teia teórica e verbal, justamente do sopro de Vida, na qual enfim encontraremos a consistência factual de tudo, e de molde a nos conferir certeza e segurança por intermédio das práticas mais simples! E, no entanto, na rotina diária, se nos voltamos à simplicidade da apreciação das próprias obras de Deus, obteremos, por percepção direta, algo que em nada se compara em qualidade, em termos do entendimento da revelação das mais alentadoras, e transmutadoras do nosso alcance de consciência; que nos proporciona, a partir disso, a abertura dos portais sucessivos do avanço evolutivo espiritual - em última instância, nosso destino inexorável, o que mais nos interessa de perto: Deus não está longe de nós!

Assim como acontece com tudo ao redor; com nossos amigos, amores e afeições, a nós unidos pela sintonia forte, inexpugnável, da linguagem instantânea do amor, do interesse mútuo, das semelhanças de propósitos, coligados nesta rede energética intensa que entrelaça todos os componentes da incomensurável orquestração da Vida, é Deus a Causa imanente de toda a lógica e substância mantenedora dos dramas vividos por nossas consciências! É Ele Origem, Efeito, em tudo, e de tudo – sólida e perceptivelmente Presente, para onde quer que dirijamos nossos passos, atenções, questionamentos, pensamentos, intenções ou ações!

Tão óbvio e direto que – temo afirmar – pela extrema intimidade que com Ele desfrutamos a cada instante de nossas jornadas, lançamo-nos na ilusão de que, talvez, não exista! De que é ausente, ou, contraditoriamente, de que se acha longe demais das realidades rotineiras dos nossos dias, para que O percebamos, ou estabeleçamos com Ele diálogo direto! Assim como o nosso olfato, demasiadamente exposto ao perfume rotineiro de um familiar, a certa altura não mais o distingue, até que, em dado momento, indagamos deste familiar por qual razão não usa mais o perfume do hábito!

A extrema obviedade de Sua Presença, exposta às nossas consciências, imersas em Sua Realidade como os peixes no vasto Oceano, sugere-nos, então, a ilusão do silêncio às nossas súplicas, perguntas, e às nossas tentativas de diálogo! E, com isso, não percebemos o mais simples, o mais claro, o mais gritante: os indícios da Sua Presença se acham, maciçamente, em torno de nós! Pois, afinal, de onde deriva tudo, na sua primeira causa?! E, em assim sendo, através de tudo, de todos, e de incessantes oportunidades, Deus dialoga com constância ininterrupta conosco – diretamente, e sem intermediários!

Em quantas ocasiões não podemos constatar esta linda realidade, se nos despojarmos das complicações intelectuais e racionais da materialidade limitante, para compreender a verdade maior da ótica mais sutil desta mesma percepção, simultaneamente externa e interna?

Resgate da simplicidade

Houve, outrora, nos primórdios, uma versão do Cristianismo primitivo, mais pura, mais simples, mais autêntica – o Catarismo(1), que fora o objeto principal do mais horrendo e autêntico massacre genocida desfechado pelo dogmatismo ferrenho da Igreja Católica, sedenta do poder meramente temporal, nos idos da Idade Média. Destituída de ritualísticas, de prédicas empoladas ou incompreensíveis ao homem comum, de dogmas ou preconceitos, era apta a uma percepção mais fiel da realidade divina entre nós! Seus postulantes – homens e mulheres – eram ativos e participantes de uma doutrina vivida na prática mais comum do cotidiano! Impunham mãos em realizações de cura, ao modo dos passes atualmente praticados pelos médiuns, nos redutos de formação e entendimento espírita. E falavam diretamente com Deus, prescindindo de intermediários!

Eles conheciam que a grande verdade existencial da humanidade era a evolução gradativa, rumo a patamares progressivos de iluminação da consciência, por intermédio das reencarnações. E viam Jesus, mais acertadamente, como espírito de envergadura espiritual sublime, muito acima da humanidade comum; e, portanto, como o líder espiritual e humano sem par, como até hoje não houve igual nos enredos dos povos - não como um Filho Único de Deus!

Voluntariamente, eram despojados da escravidão, doentia para o espírito, das conquistas materialistas do mundo secular, e dedicavam-se, assim, a viverem segundo um reconhecimento prático das prioridades espirituais de suas existências, que sempre e a todos nós mais importa, para a construção de um presente que redime um passado, na construção sábia de um futuro melhor.

Não se perdiam, portanto, embrenhados em lutas hierárquicas de poder e domínio enraizados, como ainda hoje acontece, nas disputas egoicas pela posse de almas incautas, no âmbito de várias religiões de prática sedimentada sobre a imposição dogmática de intermediários outorgados entre os homens ditos comuns, e Deus!

Deus é um amigo constante...

Amigo leitor: assim como simplesmente reencarnamos, incessantemente, migrando entre dimensões e mundos, travando contato e intimidade com incontáveis seres, nas extensões do universo, tenhamos em mente que, neste processo vital incomensurável, o entendimento gradativo de tudo nos acontece na fronteira entre a percepção espiritual intuitiva e a mais direta dos fatos concretos, enquanto estamos num plano material, ou na continuidade definitiva de tudo, após a nossa passagem para outros estágios mais ricos de vivências, noutros setores do infinito. E não nos esqueçamos de que, nesta amálgama sábia, soberana, tudo e todos são a prova mais definitiva de que Deus está perto, muito perto – em verdade, próximo demais, para dialogar, para nos responder a todas as dúvidas, todos os dilemas e questionamentos de percurso, em linguagem simples –  todavia, talvez que tão simples que nos escape aos vícios de elaboração exagerada do raciocínio condicionado aos parâmetros materiais imensamente restritos e insuficientes!

Estando em nós, e fora de nós, num Todo inextricável, Deus nos fala por intermédio do que magnetizamos constantemente com nossas próprias intenções e atitudes de cada minuto. Assim, Ele nada mais faz do que se revelar através de Sua indefectível misericórdia, oferecendo-nos a riqueza inigualável da sua expressão externa à nossa percepção sensorial ainda sonolenta e letárgica – e, ao espírito sempre imerso, por natureza, no seu meio sublime e definitivo, a Verdade  consoladora de que, como fazemos para com os nossos próprios filhos, as Suas respostas a nós serão sempre o de que melhor precisamos para o avanço certo na mão única rumo à felicidade, que a todos está destinada! Mas contando também com a nossa participação ativa, no imenso drama da Criação!

Nunca a pedra – mas o pão!

(1) O Catarismo foi um movimento cristão iniciado em meados do ano 1100 na Europa Meridional que encontrou sua essência no sul da França, na região conhecida como Albi. Por isso, muitas fontes utilizam o termo Albigense para referir-se aos cátaros.



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