A um padre - Guerra Junqueiro
Ó padre lutador, procurai santamente
Apregoar ao mundo herético e descrente
Os dogmas ancestrais da vossa velha Igreja!
A árvore do progresso, esplêndida, viceja.
A Ciência caminha a passos de gigante
Para se unir à Fé, operosa e triunfante.
É preciso instalar a Inquisição de novo,
Contendo a aspiração indômita do povo,
De saber a verdade acerca do Destino.
Proclamai, proclamai o dogma divino!
Fazei bulas, torcei as leis, trazei Loiolas,
Ensinai catecismo em todas as escolas;
Ponde sobre a esperança o inferno que flameja,
Cheio de excomunhões e de mastins da Igreja!
Ensinai que Deus é o bramânico sátrapa
Que enviou para o mundo os bergantins do papa,
Afirmai que um sacrista é um ministro do Eterno.
Comei Jesus no pão refogado em falerno;
Formai sob a batina as gerações vindoiras,
Tomai em vossas mãos das crísticas tesoiras,
Cortai a asa de luz de toda liberdade,
Afogai na descrença a pobre Humanidade,
Multiplicai no mundo as vossas benzeduras,
Multiplicai na Igreja os ritos e as tonsuras!
Teologicamente, anatematizai
Todo aquele que em Deus sentir o amor de um Pai,
Ponde em cada recanto um novo Torquemada,
E um trapo de batina ao pé de cada estrada;
Fazei autos-de-fé, pregai probabilismos
Dentro das liações e dos anacronismos,
Endeusai sobre o trono a fortuna dos Cresos,
Esquecei sobre a lama os pobres indefesos.
Transformai todo templo em balcão de bentinhos,
Com representações em todos os caminhos;
Interpretai Jesus no prisma do interesse,
Traficai com o altar, vendei o ensino e a prece,
Anatematizai todas as heresias;
Aprovai, aplaudi as grandes simonias,
Porque, em verdade, são como crimes sagrados
E a estola de um sacrista é isenta de pecados.
Incensai Harpagões, absolvei magnatas,
Entre encomendações, discursos, sermonatas;
Lembrai a Inquisição e a história do papado,
Retende na memória os erros do passado.
Lede com desassombro o intrépido Barônio,
Sem o medo pueril do inferno e do demônio,
E vinde proclamar ao mundo fariseu
Que somente na Igreja há sendas para o Céu;
Só a Igreja possui a santa autoridade,
Dentro das presunções da infalibilidade.
Sobre o luxo gritai no púlpito florido,
Gritai que o mundo está perverso e corrompido.
Escrevei com furor contra as guerras tigrinas,
A abençoar fuzis, metralhas, carabinas,
A discórdia infundi! Nutri regionalismos,
Incentivai com ardor os rubros fanatismos.
Se puderdes, irmão, arma nova fogueira
A quem asseverar que o Papado é uma feira
Onde Deus é um cifrão e onde se negocia
A bênção de Jesus, e a bênção de Maria;
Onde a verdade está sob as cavilações
Dos círculos hostis de torpes convenções!
Praticai e afirmai ainda mais do que isto.
Tendes a autoridade e a mansidão do Cristo...
Mas, ouvi minha voz impávida e serena!...
Fazendo-vos ouvir, tomando a vossa pena,
Jamais vos esqueçais de que a verdade é de ouro.
Afastarmo-nos dela é andar no sorvedouro
Da calúnia que fere o coração mais rude,
Da mentira que, enfim, não alcança a virtude,
Que traz, porém, consigo o vírus que envenena!
Quem perpetra a inverdade a si mesmo condena.
A luta da verdade, a luta das idéias,
É feita nos clarões das grandes epopéias,
Abrindo o coração ao nobre sacrifício;
Cada gesto leal é sublime interstício
Por onde a Luz penetra em jorros cristalinos,
Clareando o porvir ignoto dos destinos.
Criar uma ficção e excomungar de oitiva,
É próprio das paixões e próprio da inventiva.
Nunca vos entregueis a tanto despautério,
Jamais enxovalheis o vosso ministério.
Acostumai-vos, pois, ao sol que tudo aclara;
Deixai a insensatez dos clérigos, da tiara,
Abandonai a treva e vinde para a luz!
Aprendei muito mais do exemplo de Jesus.
Olvidai convenções, congregações, papado,
Que a Verdade jamais se vende no mercado.
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ABILIO Guerra Junqueiro, poeta português, nascido em 1850 e desencarnado em 1923, é assaz conhecido no Brasil como épico dos maiores da língua portuguesa e admirado por quantos não estimam na Poesia apenas o malabarismo das palavras, mas o fulgor das idéias. Notável, sobretudo, pela sua veia combativa e satírica, vemos, por sua produção de agora, que os anos do alémtúmulo não lhe alteraram a sadia e lúcida mentalidade, nas mesmas diretrizes. E esta circunstância é tanto mais notável quando o Romantismo se ufana de uma irreal conversão ín extremis.
Que força, que pujança tem esse Guerra Junqueiro. Um grande espírito!