Visibilidade feminina no Espiritismo

Mulheres e homens possuíram por muito tempo espaços sociais diferenciados por conta de uma construção histórica que atribuía a cada sexo papéis bem definidos, nos quais a mulher exercia atividades relacionadas à maternidade, ao lar e aos cuidados, ou seja, à vida privada, enquanto o homem assumia o papel de liderança da casa, dos estudos e dos negócios, à vida pública.

A luta feminista pela ocupação dos espaços que antes eram socialmente atribuídos aos homens impulsionou o processo de busca pela igualdade. Vimos durante o Século XIX as sufragistas inglesas lutando pelo voto feminino, Olympe de Gouges se opondo ao patriarcado francês em sua obra Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. No século XX Miêtta Santiago foi uma das primeiras a conseguir exercer seus direitos políticos no Brasil, e Simone de Beauvoir questionou a construção da feminilidade em seu livro O Segundo Sexo. A luta é recente e é um processo que exige debates, reflexões e desconstruções. 

Ainda vivemos em uma sociedade essencialmente patriarcal, visto que pessoas do sexo masculino predominam em posições de liderança, autoridade e privilégio. Um exemplo disso é a ocupação da maioria dos cargos políticos por homens. Dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) mostram que as mulheres ocupavam apenas 10,7% nos órgãos legislativos do Brasil em 2018, sendo que em 2017 a população feminina era cerca de 51,6% da população brasileira, segundo dados do IBGE.

Essa situação reflete em diversos grupos sociais, inclusive no Movimento Espírita. Dados do Censo do IBGE de 2010 mostram predominância feminina na população espírita do Brasil em todas as faixas etárias a partir da adolescência, e, mesmo com uma maioria quantitativa, é possível ver a presença de sexismo em algumas situações. Partindo de reflexões pessoais sobre o tema, pude identificar nuances disso: até hoje nenhuma mulher foi presidente da Federação Espírita Brasileira, entidade que atualmente representa o Espiritismo no Brasil, fundada em 1884; palestrantes em congressos ou seminários espíritas são em sua maioria homens; ao digitar no Google "escritores espíritas", há pouquíssimas mulheres nessa categoria nos sites em que visitei.

Segundo Kardec no artigo As mulheres têm alma?, publicado na Revista Espírita em 1866, "(...) com a Doutrina Espírita, a igualdade da mulher não é mais uma simples teoria especulativa; já não é uma concessão da força à fraqueza, mas um direito fundado nas próprias leis da Natureza. Dando a conhecer essas leis, o Espiritismo abre a era da emancipação legal da mulher, como abre a da igualdade e da fraternidade". Desta forma, a própria Doutrina dos Espíritos aponta a lógica natural da emancipação feminina. Importante lembrar que em O Livro dos Espíritos, em resposta à questão 200, somos esclarecidos que espíritos não têm sexo da forma que entendemos, cabendo isto apenas ao corpo material. Assim, ao encarnar, é possível animarmos tanto mulheres como homens.

O conhecimento da nossa realidade espiritual fornece-nos subsídios que legitimam essa luta por igualdade ao ocuparmos os espaços. Mas, além de oportunidade, a mulher precisa sentir-se capaz e no direito de ocupar. Precisamos falar de empoderamento feminino e para isso precisamos saber que temos representações nesses lugares que mostram que sim, temos lugar de fala!

Aqui no Amazonas tivemos uma sequência de mulheres que foram excelentes presidentes da Federativa Estadual, desde 1998, começando com Antônia Batatel, seguida por Dori Vania Cunha, Sandra Moraes e por último Rita Castro, que a presidiu até 2016. No cenário nacional, podemos falar de importantes palestrantes e escritoras: Therezinha Oliveira, grande divulgadora da Doutrina em vida ao escrever livros que ultrapassaram 600 mil exemplares publicados e ministrar palestras e seminários; Sandra Borba, importante articulista, engajada também no trabalho de Evangelização, autora de livros como Reflexões Pedagógicas à Luz do Evangelho, Saberes Necessários à Tarefa da Evangelização Infantojuvenil (em coautoria com Cláudia Farache) e Cotidiano em Reflexões Espíritas; Eulália Buena, importante divulgadora da Doutrina em vários lugares do Brasil, comcinco livros publicados; e Suzana Simões, palestrante ativa nos Estados Unidos e no Brasil. 

Há ainda um evento chamado "Jornada da Mulher Espírita", que teve como pioneiros os paraibanos e pernambucanos com o nome "Semana da Mulher Espírita" na década de 1970, visto a dificuldade de aceitação da figura feminina em espaços de liderança. A prece, a direção, os momentos artísticos e as palestras são funções que cabem inteiramente à mulher, durante o evento. Além disso, é um período em que são realizadas atividades como visitas a presídios femininos, orfanatos direcionados às mulheres, onde acontecem palestras para esse público. O evento deu tão certo que hoje já ocorre em diversos locais do Brasil, como Alagoas, Ceará e São Paulo.

Em meio a isso, temos também mulheres empenhadas em divulgar informações e empoderamento por meio de plataformas modernas, como a Yasmin Almeida, moderadora do Instagram @feminismoaluzdoespiritismo. Além disso, Yasmim é autora de um capítulo no livro Além das diferenças II, intitulado Feminismo e Espiritismo. Ao fim do capítulo, ela nos leva a uma reflexão importante sobre o que aqui foi exposto:

“Falar de feminismo e Espiritismo não é fazer um aproximação de viés partidário, que se afine com vertentes de direita ou de esquerda, e sim adentrar o amplo campo de debate dos direitos humanos, o qual concerne a toda e qualquer perspectiva política. Isto quer dizer que este diálogo que aqui foi proposto se funda na Lei de Amor e de Caridade do Cristo, que deve suscitar em nós a empatia e a luta pelo fim da opressão feminina.

"A pergunta recorrente nos debates éticos e políticos da contemporaneidade, acerca do tipo de sociedade que deixaremos para as próximas gerações, deve, então, ser repensada a partir do momento em que temos a consciência de que somos tanto a presente quanto as próximas gerações, sob a ótica de espíritos imortais. Como estará a situação da mulher daqui a 50, 100 ou 200 anos, quando eu reencarnar em um corpo feminino? O que eu terei feito para contribuir positivamente ou negativamente com isto?”.

Não há retrocesso na natureza. Obtivemos conquistas ao longo dos séculos, no decorrer de nossas encarnações, contudo ainda estamos muito distantes do ideal de amor que o Cristo nos ensinou. A Terra já está em processo de transição. E nós? Qual é o nosso lugar nesse processo? Enquanto espíritas? Enquanto mulheres?



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