Paradoxos humanos - Rogério Coelho

Os homens adornam a mensagem de Jesus com símbolos e rituais, cerimônias luxuo­sas e sacramentos inócuos, desvestindo-a dos caracteres de amor e espontaneidade

 “(...) e os mártires, ébrios de esperança, desceram ao circo...” - Lázaro[1]

As desatentas criaturas de hoje, além de uma quase invencível acomodação, têm por hábito deturpar o conteúdo filosófico das lições que poderiam levá-las à emancipação espiritual, gerando lamentáveis paradoxos com tais atitudes extremamente equivocadas.

A Ordem Franciscana, por exemplo, criada pelo doce “poverello” de Assis, sob os auspícios do despojamento e do amor, ajaezou-se de fausto e ouro no decorrer dos séculos enveredando-se, de maneira acintosa, por caminhos diametralmente opostos dos que foram abertos e trilhados pelo nobre Filho de Assis.

Em matéria de paradoxos gerados pelos interesses subalternos quão inconfessáveis, nada que se compare aos que orbitam ao redor da figura do Excelso e Inigualável Mensageiro Divino, como muito bem realça Amélia Rodrigues[2], com sua privilegiada perspicácia: “(...) não obstante ter a Sua mensagem inspirado as mais belas páginas da literatura, da arte e da filosofia, arrebanhando o maior número de mártires que jamais se conheceu, os paradoxos se fizeram sentir de maneira monumental: Mensageiro Incomparável, do amor, utilizaram-nO para guerras de interesses inconfessáveis; Libertador por excelência, foi usado para justificar comportamentos escravocratas e absurdos; Amigo de todos, tomaram-nO, através das paixões mesquinhas, como divisor de grupos e indivíduos; Filho de Deus, confundiram-nO propositalmente com o Criador, dando margem a conflitos de vária ordem; Amor ímpar, fizeram-nO símbolo de força terrena, enganosa; simples e abnegado em todos os atos, alçaram-nO aos tronos equívocos e aos poderes transitórios; imensurável, na Sua grandeza, permanece incom­preendido na mensagem de que Se fez portador.

Para explicar a Sua mensagem, elaboraram teologias complexas e confusas, surgiram exegetas especializados e intérpretes exigentes, quando os "puros de coração" e os "simples de espírito" podiam compreendê-la e vivê-la sem rebuços, nem afetação.

Adornam-na de símbolos e rituais, cerimônias luxuo­sas e sacramentos inócuos, desvestindo-a dos caracteres de amor e espontaneidade que vicejavam nos Seus lábios e conduta.

Criaram uma casta sacerdotal para ensiná-la, quando Ele sempre se levantou para profligar tal comportamento. Convocam-nO para amaldiçoar e matar, olvidados que Ele é "vida e vida abundante". . . São os paradoxos humanos!...”

Sem embargo, como muito bem nos lembra o Amigo Espiritual Lázaro, no livro citado em epígrafe, “o amor resume a Doutrina de Jesus toda inteira, visto que esse é o sentimento por excelência.”.

“Hoje” – diz Sanson[3], “quando o movimento espírita há dado tão grande passo, vede com que rapidez as ideias de justiça e de renovação, constantes nos ditados espíritas, são aceitas pela parte mediana do mundo inteligente. É que essas ideias correspondem a tudo o que há de divino em vós. É que estais preparados por uma sementeira fecunda: a do século passado, que implantou no seio da sociedade terrena as grandes ideias de progresso. E, como tudo se encadeia sob a direção do Altíssimo, todas as lições recebidas e aceitas virão a encerrar-se na permuta universal do amor ao próximo. Por aí, os Espíritos encarnados, melhor apreciando e sentindo, se estenderão as mãos, de todos os confins do vosso planeta. Uns e outros reunir-se-ão, para se entenderem e amarem, para destruírem todas as injustiças, todas as causas de desinteligências entre os povos.

Grande conceito de renovação pelo Espiritismo, tão bem exposto em “O Livro dos Espíritos”;  tu produzirás o portentoso milagre do século vindouro, o da harmonização de todos os interesses materiais e espirituais dos homens, pela aplicação deste preceito bem compreendido: “amai bastante, para serdes amados.”

Finaliza Amélia Rodrigues2: “(...) todas as pessoas que O entenderam pelo coração, ofereceram-se em holocausto de amor ao Seu amor. Marchavam felizes para o martírio, certas da vitória, além do corpo... E Ele prossegue arrebatando milhões de indivíduos, apesar das alterações que introduziram no Seu pensamen­to inatacável.

O Evangelho, essa perene alegria, rica de boas novas, narrado pelos quatro amigos, inunda de esperança qual­quer vida e enriquece de felicidade quem o lê e medita!

Mais de dois milênios — depois de Sua morte e ressurreição — permanece mais vivo e amado do que qual­quer outro vulto da humanidade.

Jesus rompe com a superficialidade e penetra o âma­go dos homens, alterando-lhes totalmente a existência, porque lhes demonstra a sua realidade espiritual e divina, num mundo transitório e portador de planos e oportuni­dades para experiências evolutivas, libertadoras.

Com algumas frases compôs o poema de liberdade — as bem-aventuranças — que são o momento glorioso da Sua palavra e vida.

Perseguido, crucificado, após a infamante traição e negação dos amigos frágeis, continua convidando-nos a segui-l0 e amá-l0, única forma de se alcançar a plenitude.”


[1] - KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 121.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2003, cap. XI, item 8.

[2] - FRANCO, Divaldo. Pelos caminhos de Jesus. Pelo Espírito Amélia Rodrigues. Salvador: LEAL, 1988, cap. 1.

[3] - KARDEC, Allan. O Evangelho Seg. o Espiritismo. 121.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2003, cap. XI, item 10.



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