Oferecer a outra face - Claudia Gelernter

Diversas frases que pronunciamos nos dias atuais, foram ditas há dois milênios, pelo Mestre de Nazaré. Algumas, tornaram-se ditos costumeiros, entre muitas pessoas:

“- Que atire a primeira pedra aquele que estiver sem pecados…”  Comumente usamos essa passagem quando queremos nos desculpar ou perdoar alguém por alguma falha.

“- Reconhece-se a árvore por seus frutos…” Aqui, quando no intuito de algum elogio ou crítica ao tipo de educação dada;

“- Mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha…” Quando queremos criticar os ricos que sentem dificuldade na partilha de seus bens…

Muitos de nós nos apoiamos nas passagens dos evangelhos para justificar nossa forma de pensar, falar e agir no mundo.

Problema está quando destes textos retiramos alguns fragmentos, ignorando contexto e profundidade, apenas para atacar, marginalizar, excluir, etc. A nós, espíritas, fica o alerta para este perigo a respeito de uma prática nefasta, presente em diversos lugares.

Neste despretensioso artigo, pretendo relembrar outro pensamento bastante utilizado pelas pessoas, pronunciado também por Jesus, durante uma pregação, conhecida como Sermão da Montanha. A passagem está registrada no evangelho de Lucas, no capítulo 06, versículo 29:  "Se alguém bater em você numa face, ofereça-lhe também a outra.”

“Mostrar a outra face” quando alguém nos bate, como muitos outros ensinamentos trazidos pelo Cristo, não carrega um sentido literal, mas figurado. Assim como não devemos (literalmente) arrancar um olho que seja motivo de escândalo, até porque um olho não causa um escândalo, mas, metaforicamente, nossa maneira de enxergar o mundo e reagirmos a ele, isso sim!

Se alguém nos bate, temos o dever de nos afastar, de nos defender de alguma maneira, impedindo o agressor de continuar com sua ação. Aliás, se trata de algo instintivo. Entretanto, cabe aqui uma diferença capital: Defender-se não significa revidar, vingar-se, agredir.

Defender-se é, dependendo da situação, do momento, afastar-se, se proteger ou mesmo neutralizar o agressor, quando possível.

O que fazemos, porque assim aprendemos durante milênios, é reagir (no mínimo) na mesma proporção: fazemos acontecer o famoso “olho por olho, dente por dente” - lei antiga que Jesus reformou, quando trouxe à baila um Deus amoroso e um caminho de educação e medicina de almas, onde o revidar deve sair de cena, abrindo espaço para uma resposta bem mais funcional e efetiva, mostrando uma possível “outra face” da situação apresentada.

Na Oração pela Paz, hoje conhecida como “Prece de Francisco de Assis”, encontramos a  busca pela prática desta passagem evangélica:

“Onde houver ódio, que eu leve o amor;

Onde houver ofensa, que eu leve o perdão.

Onde houver discórdia, que eu leve a união.

Onde houver dúvidas, que eu leve a fé.

Onde houver erro, que eu leve a verdade.

Onde houver desespero, que eu leve a esperança.

Onde houver tristeza, que eu leve a alegria.

Onde houver trevas, que eu leve a luz…”

Mostrar a outra face é retornar àquele que traz um pensamento, uma ação no mal, algo de bom. É acalmar onde existem ansiedades, calar onde existem fofocas, abençoar onde acontecem maledicências.

Mostrar a face de Deus em casa gesto, diminuindo o ego, sempre que possível.

Professor Hermógenes, conhecido Yogue de nosso país, costumava dizer que é preciso “humildar-se”. Isso porque o termo “humilhar-se” para ele soava como “rebaixar-se” a um nível desnecessário. Humildar-se, porém, significa diminuir o ego, perceber-se como se é: um ser incompleto e ainda cheio de imperfeições e, a partir deste saber, seguir trabalhando os traços de personalidade que nos atrapalham, sem ódios contra si, tampouco projeções de raiva no mundo.

Humildar-se seria o "mostrar a outra face", levar à luz o aspecto real da alma imortal, criação de Deus.

Humildar-se é perceber-se como um ser interdependente, respeitando todas as formas de vida e, ao mesmo tempo, saber-se de natureza divina, como tudo o que é.  

Somente quando nos humildamos, conseguimos mostrar algo bom diante das ignorâncias do mundo - como já dizia Jesus (e muito antes de Hermógenes). Só quando estamos na posição dos humildes (os primeiros bem aventurados em seu Sermão) é que podemos, realmente, mostrar a verdadeira face do amor - único caminho para um mundo melhor, que tanto ansiamos.

E, como já dito em muitas tradições de espiritualidade, a mudança do mundo começa em nós. Sigamos!



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