O devir psicológico
Por largo tempo houve uma preocupação, na área psicológica, para encontrar-se as raízes dos problemas do homem, o seu passado próximo — vida pré-natal, infância e juventude a fim de os equacionar.
A grande e contínua busca produzia, não raro, um desesperado anseio para a compreensão dos fenômenos castradores e restritivos da existência, no dealbar dela mesma.
Interpretações apressadas, comumente, tentavam liberar os pacientes dos seus conflitos, atirando as responsabilidades da sua gênese aos pais desequipados, uns superprotetores, outros agressivos, que, na sua ignorância afetiva, desencadeavam os complexos variados e tormentosos.
Tratava-se de uma forma simplista de desviar o problema de uma para outra área, sem a real superação ou equação do mesmo.
Os pacientes, esclarecidos indevidamente, adquiriam ressentimentos contra os responsáveis aparentes pelas suas aflições, transferindo-se de postura patológica. Em reação, na busca do que passavam a considerar como liberdade, independência daqueles agentes castradores, inibidores, faziam-se bulhentos, assumindo atitudes desafiadoras, na suposição de que esta seria uma forma de afirmação da personalidade, de autorrealização. E o ressentimento inicial contra os pais, os familiares e educadores crescia, transferindo-se, automaticamente, para a sociedade como um todo.
A conscientização dos fenômenos neuróticos não deve engendrar vítimas novas, contra as quais sejam atiradas todas as responsabilidades. Isto impede o amadurecimento psicológico do paciente, que assume uma posição injusta de deserdado da sociedade, aí se refugiando para justificar todos os seus insucessos.
Sem dúvida, desde o momento da vida extrauterina, há um grande choque na formação psicológica do bebê, ao qual se adicionam outros inumeráveis, decorrentes da educação deficiente no lar e no grupamento social.
O mundo, com as suas complexidades estabelecidas e para ele impenetráveis, apresenta-se agressivo e odiento, exigindo-lhe alto suprimento de habilidades para escapar-lhe ao que considera suas ciladas.
Nessas circunstâncias adversas para a formação psicológica do homem, devemos convir que as suas causas precedem a existências anteriores, que formaram as estruturas da individualidade ora reencarnada, responsáveis pelas resistências ou fragilidades dos componentes emocionais. No mesmo clã e sob as mesmas condições, as pessoas as enfrentam de forma diversa, desvelando, nas suas reações, a constituição de cada uma, que antecede ao fenômeno da concepção fetal.
A moderna visão psicológica, embora respeitando as injunções do passado atual, busca desenvolver as possibilidades latentes do homem, o seu vir-a-ser, centralizando a sua interpretação nos seus recursos inexplorados. Há, nele, todo um universo a conquistar e ampliar, liberando as inibições e conflitos, diante dos novos desafios que acenam com a autorrealização e o amadurecimento íntimo.
De etapa a etapa, ele avança conquistando as terras novas da vida e da experiência, que se sobrepõem aos alicerces fragmentários da infância, substituindo-os vagarosamente.
O devir psicológico é mais importante do que o seu passado nebuloso, que o sol da razão consciente se encarregara de clarear, sem ilhas de sombra doentia na personalidade.
Extraordinariamente, em alguns casos de psicoses e neuroses, de dificuldades no inter-relacionamento pessoal, de inibições sexuais e frustrações, pode-se recorrer a uma viagem consciente ao passado, a fim de encontrar-se a matriz cármica e aplicar-lhe a terapia especializada, capaz de conscientizar o paciente e ajudá-lo na superação do fator perturbante. Mesmo assim, a experiência terapêutica exige os recursos técnicos e as pessoas especializadas para o tentame, evitando-se apressadas conclusões falsas e o mergulho em climas obsessivos que impõem mais cuidadosa análise e tratamento adequado.
A questão, pela sua gravidade, exige siso e cuidados especiais.
A nova psicologia profunda pretende desvendar as incógnitas das várias patologias que afetam o comportamento psicológico do homem, utilizando-se de uma nova linguagem e desenvolvendo os recursos da sua evolução ainda não excogitados.
Por enquanto, o indivíduo não se conhece, apresentando-se como se fora uma máquina com as suas complicadas funções, que busca automatizar.
É indispensável, assim, que tome consciência de si, o que lhe independe da inteligência, da atividade de natureza mental.
A consciência expressa-se em uma atitude perante a vida, um desvendar de si mesmo, de quem se é, de onde se encontra, analisando, depois, o que se sabe e quanto se ignora, equipando-se de lucidez que não permite mecanismos de evasão da realidade. Não finge que sabe, quando ignora; tampouco aparenta desconhecer, se sabe. Trata-se, portanto, de uma tomada de conhecimento lógico.
Esses momentos de consciência impõem exercício, até que sejam aceitos como natural manifestação de comportamento. Para tanto, devem ser considerados os diversos critérios de duração, de frequência e de largueza, como de discernimento.
Por quanto tempo se permanece consciente, em estado de identificação? Quantas vezes o fenômeno se repete e de que o indivíduo está consciente?
Factível estabelecer-se uma programação saudável.
No painel existencial, no qual nada é fixo e tudo muda, torna-se inadiável a busca da consciência atual sem as fixações do passado, de modo a multiplicar os estímulos para o futuro que chegará.
Destaca-se aí, a necessidade do equilíbrio, que segundo Pedro Ouspenski, é “como aprender a nadar”. A dificuldade inicial cede então lugar à realização plena.
O homem amargurado, que se faz vítima dos conflitos, deve aprender a resolver os desafios do momento, despreocupando-se das ocorrências traumáticas e gerando novas oportunidades. As suas propostas para amanhã começam agora, não aguardando que o tempo chegue, porque é ele quem passará pelas horas e chegará àquela dimensão a que denomina futuro.
A estrutura psicológica social — soma de todas as experiências culturais, históricas, políticas, religiosas — exerce uma função compressiva no comportamento do homem, que se deve libertar mediante o amadurecimento pessoal, que elimina o medo, a ira, a ambição, característicos das heranças atávicas, e se programa dentro das próprias possibilidades inexploradas.
A consciência do vir-a-ser proporciona uma mente aberta, com capacidade para considerar com clareza e saúde todos os fatos da existência, comportando-se de maneira tranquila, com possibilidades de conquistar o infinito.
Do livro O Homem Integral, Sexta Parte, cap. 27, de Joanna de Ângelis, psicografado pelo médium Divaldo Franco.
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