O Espiritismo e o Alto Solimões
Emerson Cosme da Silva Oliveira, ex-presidente do CEVIC (Centro Espírita Vianna de Carvalho), é natural do Rio de Janeiro-RJ, mas reside desde 2017 na cidade de Tabatinga-AM, o que confirma seu apreço pelas terras do Alto Solimões.
Em entrevista concedida gentilmente a nós em decorrência do trabalho de pesquisa de conclusão do curso de Licenciatura em Geografia que realizamos, com o objetivo de buscar conhecimento sobre a história do Espiritismo no Amazonas, Emerson da Silva, fala-nos sobre o legado que o Espiritismo deixou na região, fazendo chegar às partes mais remotas das terras amazonenses a mensagem consoladora de Cristo.
Como conheceu e há quanto tempo está na Doutrina Espírita?
Estou há 15 anos. No Rio de Janeiro, assim como na maioria das capitais e municípios do Brasil, o Espiritismo é bastante difundido e professado. Por isso, durante minha vida tive contato com muitas pessoas espíritas, inclusive alguns familiares que simpatizavam com o Espiritismo. Além disso, percebi que muitas pessoas que eu admirava eram espíritas, o que me fez chamar atenção para posteriormente conhecer mais a fundo a Doutrina dos Espíritos.
Houve algum acontecimento especial que propiciou esse contato inicial?
A necessidade de me aprofundar em questões para as quais não achava respostas, tais como: Por que há diferenças tão grandes no mundo, se Deus é perfeito? Por que Jesus foi tão marcante para a humanidade? Para onde vamos quando morremos? A morte existe? Espíritos, o que são? Ao estudar a Doutrina Espírita, consegui respostas para todos estes meus antigos questionamentos, fazendo com que a vida tivesse mais sentido do que antes.
Para você, o que é Espiritismo?
São os ensinamentos de Jesus, explicados pelos Espíritos, que vêm cumprir o que Jesus nos prometeu, de nos enviar um Consolador Prometido que ficaria conosco pela eternidade. Como é uma doutrina que aborda todos os ensinamentos de Jesus, esmiuçados, e nos revela muitas coisas até então sem solução, cumpre, como sabemos, o que Jesus nos prometeu!
Quando começou sua trajetória no Espiritismo você sofreu alguma resistência em seu círculo familiar e social?
Não houve. Mas se um dia houver, cabe a mim respeitar o próximo nas suas convicções e, quanto a mim, o dever de mostrar pelos bons exemplos quanto o Espiritismo é fundamental na minha vida.
Como a doutrina espírita chegou ao Amazonas?
Conta-se que, certa vez, Bernardo Rodrigues de Almeida – português de nascimento que por dificuldades emigrou para o Brasil e veio para Manaus – encontrou um jornal que serviria de empacotamento de mercadorias com uma notícia que muito lhe chamou atenção. Dizia a nota que uma pessoa estava sendo processada por um delito e que tinha sua situação agravada pelo fato de professar o Espiritismo. Essa pitoresca particularidade despertou o interesse de Bernardo, que cuidou de mandar buscar obras que tratassem de tão singular doutrina.
De posse dos livros, naturalmente as obras básicas (Livro dos Espíritos, Livro dos Médiuns, Evangelho Segundo Espiritismo, Céu e Inferno e Gênese), após algum tempo de estudo, procurou um catraieiro que ele sabia ser médium, e passou a fazer reuniões, dando início à implantação do Espiritismo em nossa região. Os primeiros registros sobre o Espiritismo no Amazonas datam de 25 de dezembro de 1889, insertas no primeiro livro de atas do Grupo Espírita “Filhos da Fé”, que funcionou na residência do Coronel Leonardo Malcher.
Em que ano a doutrina espírita chegou a Tabatinga e como foi o processo?
Aproximadamente em 1949, uma senhora chamada Nazaré, esposa do Senhor Pedro, comerciante em Belém, veio para a região da Comunidade do Capacete para vender mercadorias. O casal fixou residência na localidade e iniciou o Estudo do Evangelho, ocorrendo ali curas espirituais através da médium que ficou conhecida como “Nazita”. O trabalho realizado expandiu-se para a abertura de um pequeno centro espírita chamado Seara Espírita, atualmente localizado na Comunidade de Teresina III.
No município de Tabatinga, o Espiritismo surgiu no ano de 1988 com a criação de um Grupo de Estudos promovido por militares do Exército adeptos da Doutrina Espírita, que iniciaram o Estudo do Evangelho e, logo depois, com a aproximação de outros adeptos da Doutrina Espírita e simpatizantes, o grupo se consolidou e alugou uma sede provisória, até a aquisição do terreno e a construção da sede própria, onde atualmente se localiza.
Como foi o processo de construção da sede própria?
Ele se deu através da união do grupo de estudos que, com muito esforço e devoção à causa espírita, comprou o terreno e iniciou a construção da primeira parte das atuais instalações, que depois se expandiram com o esforço de muitos trabalhadores devotados que auxiliaram para a materialização da construção do CEVIC.
Quais os trabalhos sociais que o Centro Espírita desenvolve em Tabatinga?
São desenvolvidos os trabalhos de Sopa Fraterna (ocorrido no último sábado de cada mês no Aterro Sanitário de Tabatinga), Cesta Básica Fraterna (entrega de cestas básicas às famílias assistidas da Instituição e famílias carentes cadastradas), Atendimento Fraterno (conversa fraterna à luz da doutrina espírita visando auxiliar e identificar dificuldades nos campos material e espiritual) e Ação Social (atendimento com profissionais de saúde para atendimento do público interno), além de um bazar do bem (doação e venda simbólica de roupas e utensílios domésticos).
Qual o trabalho social mais antigo desenvolvido pelo grupo?
Nossa atividade social mais antiga registrada é a entrega de cestas básicas no final de ano. É realizada em dezembro, para as famílias cadastradas, com objetivo de proporcionar momentos de alegria com o espírito natalino.
Em relação à questão da saúde, qual a atenção voltada a essa temática?
A saúde física é reflexo de nossos pensamentos. Logo, a Casa Espírita não exerce nenhum tipo de tratamento de saúde física como atividade religiosa, exceto social. Todavia, através do nosso tratamento espiritual bem-sucedido, naturalmente estamos tratando também do nosso corpo físico.
O Centro possui participantes indígenas?
Sim, mas são poucos e esporádicos os participantes, todos descendentes da etnia Tikuna.
De que maneira se dá a escolha de um líder espírita?
Inicialmente, convém esclarecer que não temos “líderes” no sentido de representantes aos moldes de outros segmentos religiosos, como padres, pastores ou pais de santos. A escolha de trabalhadores para exercer atividades administrativas e de coordenação dos trabalhos nas casas espíritas se dá por meio de escolha do grupo, dentre os trabalhadores mais capacitados para exercer as atividades, com base no conhecimento doutrinário e com base na sua experiência e conduta moral ilibada.
Os representantes do Centro Espírita são escolhidos por eleição, conforme previsão estatutária, nos princípios fraternos, em que a maioria manifesta seu voto em representantes previamente escolhidos pelos membros do Centro.
As Federativas Espíritas e as casas Espíritas oferecem cursos de capacitação nas diversas áreas de atuação da Instituição, visando desenvolver o treinamento e o preparo para melhor exercício da atividade que o trabalhador espírita deve desenvolver.
Há material didático, elaborado pelo Conselho Federativo Nacional que abrange toda a demanda dos centros espíritas, quanto ao seu funcionamento administrativo e a condução das atividades, visando uma harmonização no Movimento Espírita Brasileiro.
Dada a condição de cidade de fronteira, como atua o Centro Espírita junto à população peruana e colombiana?
O CEVIC atua criando possibilidades de acolher os Irmãos peruanos e colombianos, tendo em vista não haver em Letícia ou em Santa Rosa centro espírita. Na prática, temos frequentadores colombianos e peruanos que participam de algumas atividades do centro. Temos trabalhadores que falam a língua espanhola e temos apoio da Federativa que nos fornece material e livros espíritas traduzidos para o Espanhol.
No ano passado, o departamento de Promoção Social forneceu cestas básicas para famílias colombianas em situação de pobreza, em parceria com uma voluntária do país vizinho.
Suas palavras finais.
O Espiritismo em seu tríplice aspecto – Ciência, Filosofia e Religião – tem como finalidade auxiliar a humanidade na formação do homem de bem que formará uma humanidade regenerada. Como religião, seguimos Jesus, que é o guia e modelo da humanidade e o maior exemplo a ser seguido.
Allan Kardec foi o codificador da Doutrina Espírita que, em face dos ensinamentos dados pelos Espíritos, nos fala sobre a Criação, a vida no mundo espiritual, as leis de Deus, a destinação da Terra e nossas esperanças e consolações.
Cada centro espírita é uma célula que estuda e divulga os princípios da doutrina espírita e atua na sociedade como Hospital de Almas (trata das doenças da Alma, já que todos a possuímos, por não sermos perfeitos), Escola (para aprendermos o que Jesus nos disse e veio explicar pela Doutrina, através de seus emissários) e Lar (onde aprendemos que fazemos parte da grande Família Universal).
O lema da Doutrina Espírita é: “Fora da Caridade não há salvação”.
Sugiro a leitura da biografia de Manoel Vianna de Carvalho, militar e grande divulgador da Doutrina Espírita do início do século passado, que espelha a vocação do CEVIC nas terras tabatinguenses.
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