Ministério maternal e humildade - Rogério Coelho

A ternura absoluta é tão nociva quanto a absoluta aspereza

 “O amor é a primeira palavra do alfabeto divino e a reencarnação é a segunda. - Lázaro[1]

As reencarnações a que o Espírito se submete são degraus de acesso aos patamares superiores da evolução, mas os seus trâmites estão juncados de vicissitudes e dificuldades de vária ordem e, vezes sem conto, as oportunidades ficam perdidas na “esfera do recomeço”.[2]

Essa realidade fica muito nitidamente mostrada por André Luiz, mais precisamente no capítulo XIX do livro “Libertação”, no momento em que a Benfeitora Espiritual Matilde revela para Margarida que em breve as duas serão mãe e filha. E sabendo das complicações que poderiam advir, Matilde enfatiza alguns pontos para a sua futura mãezinha: “(...) a reencarnação nem sempre é simples processo regenerativo, embora, na maioria das ve­zes, constitua recurso corretivo de Espíritos reni­tentes na desordem e no crime. A Crosta da Terra é comparável a imenso mar onde a alma operosa encontra valores eternos aceitando os imperativos de serviço que a Bondade Divina nos oferece. Além disso, todos temos doces laços do coração, que se demoram, por muitos séculos, retidos ao fundo do abismo.  É indispensável buscar as pérolas per­didas para que o paraíso não permaneça vazio de beleza ao nosso olhar.

Em razão disto, espero não desconheças a santidade do ministério maternal, na orientação dos Espíritos renascentes. Nossas melhores possibili­dades se perdem na "esfera do recomeço", por falta de braços decididos e conscientes que nos guiem através dos labirintos do mundo. Carinho, quase sempre, não falta no santuário familiar, onde a alma se habilita à recapitulação de valiosa aven­tura; entretanto, a ternura absoluta é tão nociva quanto a absoluta aspereza.   Não ignoras, filha amada, que a Entidade mais enobrecida, em reto­mando o veículo de carne, é compelida a sofrer-lhe os regulamentos.  

Bem sei que, depois, regressando por tua vez ao envoltório que te liga ao círculo comum da luta terrestre, olvidarás, igualmente, a nossa conversa­ção desta hora.  No entanto, a saúde e a harmonia que te inundarão a estrada doravante, aliadas ao otimismo e à esperança, que persistirão em teu Espírito por recordações indeléveis e vagas destes instantes divinos, não te deixarão esquecer de todo.

Viveremos mais juntas, na peregrinação meritória. Nos abençoados elos do sangue seremos mãe e filha, de maneira a aprendermos, mais intensa­mente, a ciência da fraternidade universal. Ajuda-me na sementeira renovada para que eu te seja útil na colheita infalível. Não me recebas, nos braços, por boneca mi­mosa e impassível. Adornos externos nunca trazem felicidade legítima ao coração, e, sim, o caráter edificado e cristalino, base segura de que se expan­de a boa consciência. A árvore benfeitora não prescin­dirá do carinho e da assistência constante do pomicultor. E' imperioso reconhecer, porém, que somen­te se fortalecerá sob a temperatura atormentadora da canícula, debaixo de aguaceiros salutares ou aos golpes da ventania forte.  A luta e o atrito são bênçãos sublimes, através das quais realizamos a superação de nossos velhos obstáculos.   E' neces­sário não menosprezá-los, identificando neles o en­sejo bendito de elevação.

As conve­niências humanas são respeitáveis, mas as conve­niências espirituais são divinas. Auxilia-me a con­quistar equilíbrio nas primeiras, a fim de atender aos imperativos celestiais do espírito eterno. Logo que me sintas nos braços, não me relegues à garridice e à inutilidade, a pretexto de guardar-me em maternal proteção.  Não é com enfeites exteriores que ajudaremos o vegetal precioso a crescer e frutificar, mas, sim, com o esforço perseverante da enxada, com a vigilância na defesa, com o adubo estimulante e com a poda benfeitora.  Não me percas de vista, para que o amor e a gratidão a Deus perdurem para sempre em minha memória frágil.  Socorre-me em tempo para que eu seja útil, no momento oportuno.

Não te esqueças do reino de beleza que podes improvisar no santuário doméstico.

Foge dos perigosos fantasmas do ciúme e da discórdia.  Aprende a renunciar, nas questões pequeninas, para recolheres com facilidade a luz que emana do sacrifício. Não comprometas, por bagatelas, o êxito espiritual que a experiência te pode oferecer.  Confia no Divino Poder e não desfaleças, ainda mesmo quando a tempestade te açoite as fibras mais íntimas do coração”. 

Maria Dolores - pela mediunidade abendiçoada de Chico Xavier -, prevendo seu futuro retorno à “esfera do recomeço”, orou[3]:

“Senhor Jesus!
Quando eu voltar à Terra
E estiver de memória parcial,
Qual o doente sob anestesia
Para sofrer bendita cirurgia
Que me livre do mal,
Não me deixes, a sós, em meu passo imaturo...
A fim de construir
O meu próprio futuro
Não permitas Senhor, que eu siga às tontas,
Como quem sabe dirigir as próprias contas.
Embora reconheça a lei de liberdade
Se posso procurar o que Te contraria,
Não me deixes fazer aquilo que me agrade.
Apaga em mim a vocação do mando,
E ensina-me, Senhor, a obedecer,
Ajuda-me a encontrar,
Onde estiver vivendo ou trabalhando,
O prazer de servir
Como simples dever.
Se eu te pedir felicidade,
Nos erros e ilusões que outrora quis,
Não me faças feliz.
Se te requisitar destaque e brilho
Para comportamento frio e ingrato,
Não me tires ao chão do anonimato.
Se eu te solicitar um corpo lindo
Para voltar, na sombra, à estaca zero,
Não me deixes viver na forma que mais quero.
Se te implorar dedicações
Para desorientar-me novamente,
Deixa-me a solidão por mestra permanente.
Caso anseie por vida emancipada
Para menosprezar encargo e compromisso,
Acorrenta-me os pés ao campo do serviço.
Se te rogar facilidades
Fora das bênçãos com que me renovas,
Guarda-me, sem cessar, no cárcere das provas.
Perdoa-me, Senhor, se peço tanto,
É que somente agora me levanto
Nos dons com que me elevas...
Tantas vezes no mundo fiz-me grande
E subi tanta vez para cair nas trevas!
Agora que te escuto, em toda parte,
A convidar-me para a Luz Divina,
Ouve Jesus!...
Anseio acompanhar-Te,
Quero ser pequenina.

 

[1] - KARDEC, Allan. O Evangelho Seg. o Espiritismo. 129.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2009, cap. XI, item 8.

[2] - André Luiz esclarece que nos círculos mais próximos da experiência humana, “esfera do recomeço” significa reencarnação. Vide: XAVIER, F. Cândido. Libertação. 7.ed. Rio]: FEB, 1978, cap. XVII.

[3] - XAVIER, F. Cândido. Maria Dolores. 6.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2009, cap. 35, p. 95-96.



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