Cadê a Solidão? Sumiu...

Meus amigos, queridos e queridas leitores do nosso tão distinto jornal espírita O IMORTAL, vou dividir com vocês uma história real, bastante interessante pra mim, vivenciada nestes últimos anos.

Como é do conhecimento da maioria dos leitores, eu resido em Londres. Meu condomínio é muito modesto, numa área conhecida como East London. A construção da década de 1970, cujos residentes alguns já estão no mesmo apartamentinho há mais de 30, 40 anos.

Vou detalhar um pouco sobre o “East London”. Na época da Rainha Victoria, era nestas “bandas” que morava a classe trabalhadora mais pobre que se pode imaginar. Construções da época, algumas sem janelas, portanto escuras, apertadas, famílias inteiras moravam em cubículos, e a pobreza era demasiada. Como os locais eram insalubres, crianças não tinham escola suficiente, eram realmente relegadas à miséria.

A Rainha Victoria, cujo reinado durou 64 anos no império britânico, mandou construir “nestas bandas” o Victoria Park, desenhado em 1841, terceiro maior parque de Londres. A ideia era trazer um espaço onde as famílias pobres pudessem ter o lazer e local para trazer os filhos brincarem ao ar livre, pois viviam em extrema pobreza. O avanço da revolução industrial, já conhecido da história, trouxe para Londres os camponeses do interior da Inglaterra, fascinados pelo novo horizonte das grandes cidades, para ter um lugar ao sol, nesta nova invenção das máquinas a vapor, das novas modalidades, tecelagens e outros.  Com isso, a população aumentou em grande número em várias cidades como Liverpool, Birmingham, Manchester, e a pobreza se instalou nas periferias. Era o período final da escravidão, tudo ao mesmo tempo. Escravos libertos, pobreza aumentada. A dignidade era embaçada pela dor, pelas doenças e carestia de vida, fatos que trouxeram muito sofrimento às famílias.

Dentro dos estudos do Espiritismo, sabemos que as grandes catástrofes, guerras, trazem um avanço tecnológico e humano, contribuindo para a evolução do espírito.

Hoje, residindo aqui, a 3 minutos a pé de um dos portões do Victoria Park, o Guns Gate, agradeço ao período vitoriano pelos avanços trazidos à humanidade, por tanta coisa boa e de aprendizado vindos dessa época.

As Olimpíadas de 2012 no Reino Unido trouxeram a construção do Queen Elizabeth Olympic Park e, com isso, um avanço incrível a essa área, antes evitada pelos ricos, onde existe uma busca grande por moradias e muitas construções são erguidas ininterruptamente.

Por que falei sobre meu prédio e coloquei o título “solidão”? Vou responder.

Área pobre até pouco tempo, aqui vivem pessoas sem condições de pagar moradia, oferecidas então pelo governo. E elas aqui ficaram, envelheceram solitárias. O Park é um ponto no qual eu consigo, sempre que vou caminhar com o meu Sol, ver onde está alguém solitário num dos bancos que o parque nos oferece. Sento-me, e o Sol já é um meio de iniciar um diálogo. Converso com os solitários, fico conhecendo histórias de vida, vejo sorriso em rostos que antes estavam fechados, talvez remoendo dores do passado ou da própria solidão, e invisto mesmo, com força e coragem, a falar da vida, da gratidão, da beleza do Parque, da bênção que a Rainha Victoria recebe de todos, por pensarem nas artes, no povo, na música, na pesquisas da ciência, com a construção do Império College.

Numa dessas “investidas do diálogo”, descubro um ator de peças teatrais do East End, já nos seus mais de 85 anos. Notei que a concatenação de suas ideias é um pouco complicada. Escondido nos seus óculos escuros, vasta cabeleira branca sem corte, ele vestia um terno já bem usado, com listras verticais azul marinho, uma amarrotada camisa branca e uma gravata borboleta vermelha.

Ao responder-me onde residia, fiquei pasma como eu nunca o vira antes. Residia no mesmo prédio que eu, em um andar diferente, sem família, e sentia falta dos palcos. Conversamos longamente sobre a solidão, sobre família, sobre os palcos espirituais. Ele foi ouvindo, ouvindo, um pouco céptico, mas concordando com a injustiça se nossas existências fossem uma só. Creio que o fiz pensar na reencarnação como ciência, como biologia da alma, sinalizando-lhe que ele irá provavelmente estar novamente nos palcos futuros, quando deixar o plano físico. 

Assim, de banco em banco, lá vou eu com o Sol, mudando a tarefa do computador para a rua, mas sempre qualificando o meu tempo, que deve ser profícuo seja aqui, seja em terras de além-mar.

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Elsa Rossi, escritora e palestrante espírita brasileira radicada em Londres, é presidente da BUSS - British Union of Spiritist Societies.



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