A educação não é limitada somente ao campo das ideias

Natural de São Paulo (SP), onde reside, Felipe Cicotti Gallesco é bacharelado em Ciência da Computação além de possuir três pós-graduação, como Engenharia de software; Gerenciamento ágil de projetos e Banco de dados e BI.

Foi um dos criadores do programa “Mutirão” na rádio Boa Nova, dirigente na Mocidade Espírita Apóstolo Mateus e no departamento de mocidade da U.S.E – distrital Tatuapé (SP). Atualmente é Vice-presidente da Associação Assistencial Espírita Apóstolo Mateus e Coordenador do projeto Juventude Espírita e o projeto Comunicadores para Jovens Espíritas.

Em que momento teve contato com a Doutrina Espírita?

Fui levado para Casa Espírita pela espiritualidade. Desde pequeno apresentava episódios de sonambulismo. Próximo aos 8 anos as ocorrências se intensificaram e minha família, procurando ajuda, chegou na Casa Espírita. Enquanto criança, se me afastavam da infância espírita, os episódios noturnos voltavam, por isso cresci ouvindo que eu era uma pessoa que não podia faltar nas reuniões espíritas.

 

Qual foi a reação da sua família ante sua adesão à Doutrina Espírita?

Tenho uma ótima relação com minha família, porém nos assuntos religiosos as opiniões são bem variadas e foram motivo para muitas discussões. Em resumo, meu pai é contrário a qualquer tipo de religião, minha mãe era espírita e virou líder protestante e minha esposa é católica. No meu grupo familiar nunca tive aceitação em ser espírita, mas essa é uma escolha somente minha. Gosto de pensar que sou a ovelha negra e que sirvo de exemplo para outras pessoas em condições parecidas.

 

Dos três aspectos do Espiritismo – científico, filosófico e religioso -, qual é o que mais o atrai?

O que me atrai é a vida e toda estranheza que existe. Através dos três aspectos o Espiritismo permite uma melhor compreensão e conexão com tudo isso, portanto gosto igualmente dos três. Como exemplo, imagine um pássaro, para voar ele precisa que ambas as asas trabalhem em sincronia. No espírito, essas asas são a parte moral e intelectual, o aspecto científico e filosófico desenvolve a “asa intelectual”, já o religioso desenvolve a “asa moral”.

 

Que livros espíritas que tenha lido você considera de leitura indispensável aos confrades iniciantes?

Só recomendo um único livro para quem é iniciante: “O livro dos espíritos”. Nele consta um ótimo resumo da doutrina. Se começar por outra obra, principalmente se for romance, a probabilidade de começar formando conceitos equivocados é bastante grande. Terminando essa obra eu indico “O evangelho segundo o espiritismo” e “O livro dos médiuns”. Esses três livros foram codificados por Allan Kardec e fazem parte dos livros base da doutrina. Podem parecer livros um pouco difíceis para um público iniciante, porém eles fornecem os conhecimentos necessários para entender e analisar com criticidade qualquer outro livro.

 

As divergências doutrinárias em nosso meio reduzem-se a poucos assuntos. Um deles diz respeito ao Espiritismo laico. Para você o Espiritismo é religião?

O Espiritismo é uma doutrina. Tentar subdividir entre Espiritismo laico ou Espiritismo religioso é criar ramificações que não existem. O Espiritismo é uma construção coletiva entre encarnados e desencarnados. É essa lição que não deve ser esquecida quando houver esse tipo de divergências.

 

Como você vê a discussão em torno do aborto? No seu modo de ver as coisas, os espíritas deveriam ser mais ousados na defesa da vida?

Sou contra o aborto e a favor da legalização no Brasil, por se tratar de assuntos distintos. O aborto é uma realidade que acontece com frequência, o que também coloca em risco a vida da mulher e não resolve o problema. Em meu entendimento, legalizar é permitir que sejam elaborados regras, procedimentos e que se tenha contato com mulheres candidatas, permitindo ações no sentido de conscientização, auxílio e reversão.

 

O movimento espírita em nosso País lhe agrada ou falta algo nele que favoreça uma melhor divulgação da Doutrina?

Admiro o movimento espírita, principalmente por ser constituído de pessoas voluntárias que doam o melhor de si para construção de algo transformador. Não obstante, em toda atividade existe espaço para melhorias, na divulgação falta principalmente proatividade. Proatividade = Capacidade que uma pessoa tem de resolver problemas de maneira autônoma e antecipada. A pessoa proativa é aquela que tem a capacidade de olhar os processos e enxergar formas de melhorá-los - ainda que ninguém tenha apontado um caminho, é algo que pode ser aprendido e desenvolvido.

 

Em face dos problemas que a sociedade terrena está enfrentando, qual deve ser a prioridade máxima dos que dirigem atualmente o movimento espírita no Brasil e no mundo?

Os problemas da sociedade são incômodos necessários que impulsionam o progresso e que estão atrelados a etapa evolutiva da qual os habitantes do planeta, estão experimentando. Logo, a prioridade máxima do movimento espírita deve ser incentivar a educação do espírito, fornecendo informações, divulgando boas práticas, disponibilizando recursos e auxiliando grupos para que se cumpra essa tarefa. A educação não é limitada somente ao campo das ideias, mas abrange o desenvolvimento moral e intelectual, impactando o indivíduo e meio do qual ele interage.

 

Como você vê o trabalho das Casas Espíritas junto às crianças e jovens, que tanto sofrem com ausência de uma boa estrutura moral no seio familiar?

Existe na cultura das Casas Espíritas, de forma geral, a necessidade de ajustes na organização dos trabalhos, pois as crianças e jovens (estou considerando pessoas entre 11 e 30 anos) não estão permanecendo nas atividades. Anualmente ocorre a PNP – Pesquisa Nacional para Espíritas. Na última edição, publicada em 2023, consta que as crianças e jovens correspondem somente a 4,1% do público da Casa Espírita, enquanto pessoas com idade entre 51 e 70 anos correspondem a 59,5%.Essa estatística é a média Brasil (fonte: https://www.juventudeespirita.com.br/resultados-da-pesquisa-nacional-para-espiritas-de-2023/)

Resultados similares também foram apresentados em anos anteriores. É um forte indicativo que a forma de acolher crianças e jovens nas Casas Espíritas precisa ser repensada, discutida e melhorada.

 

No projeto Juventude Espírita, tema que será objeto de outra entrevista, contém um vasto material sobre o assunto “Morte e Luto”. Como você vê a discussão em torno disso, no meio espírita?

A criação de um espaço de informação, voltado ao jovem, sobre “morte e luto” é algo inovador no meio espírita e oportunidade que tive de realizar um sonho da adolescência. Houve um extenso trabalho de pesquisa para criação e seleção de materiais que servissem de instrução e consolo. A base principal partiu da ideia de que educação para a morte deve ser um trabalho para toda vida, por isso, precisa começar ainda enquanto jovem. É uma das propostas que apresentamos para diversas Casas Espíritas, pedindo inclusive que esse tema faça parte das reuniões de estudos dos grupos de mocidade. Toda ajuda que recebermos para divulgar essa proposta é bem-vinda.
 

Gostaria de acrescentar algo mais?

Todos os anos acontecem avanços nas áreas de tecnologia e comunicação. As fronteiras que separam os países estão cada vez menores. O Espiritismo está chegando e sendo estudado em lugares até então considerados impossíveis. As barreiras idiomáticas não são mais impeditivas. Surge para todos o aumento de uma responsabilidade: Viver as ideias espíritas, servindo de exemplo, e demonstrando que a proposta de educação do espírito, através da doutrina espírita, é algo que muda vidas.


Uma mensagem final aos nossos leitores?

Atualmente estou com 35 anos, e observando minha trajetória, podem existir dúvidas que gostaria de esclarecer e aproveitar para fornecer dicas para aqueles que querem seguir caminhos semelhantes:

- Por mais que eu tenha participado de funções com o nome de dirigente, coordenador, vice-presidente, eu nunca me exaltei ou liguei para nomes de cargos. Sempre me considerei voluntário, só isso. Em todos os trabalhos que vi o cargo ser importante, houve disputa e conflito.

- Nunca quis ser o último a falar ou demonstrar conhecer tudo sobre Espiritismo. Estou aprendendo, e mesmo assim, sinto conhecer bem menos do que gostaria.

-  Espiritismo é somente um dos aspectos da minha vida. Sou marido, trabalho, estudo, tenho hobbies, gosto de videogame, filmes. O segredo é manter uma rotina equilibrada.

- Não faço nenhuma atividade esperando recompensa ou ir para um bom lugar quando desencarnar, meu pensamento é diferente. Quero ir para um local com muita dor e sofrimento para ajudar as pessoas de lá (e aprender com elas).

- Antes de começar, eu não sabia fazer boa parte das coisas que fiz. Fui aprendendo durante o caminho.



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