Relacionamentos perturbadores

Os indivíduos de temperamento neurótico tornam-se incapazes de manter um relacionamento estável. Pela própria constituição psicológica, são perturbadores de afetividade obsessiva e, porque inseguros, são desconfiados, ciumentos, por consequência depressivos ou capazes de inesperadas irrupções de agressividade.

Os conflitos de que são portadores os levam a uma atitude isolacionista, resultado da insatisfação e constante irritabilidade contra tudo e todos. Creem não merecer o amor de outrem e, se tal acontece, assumem o estranho comportamento de acreditar que os outros não lhes merecem a afeição, podendo traí-los ou abandoná-los na primeira oportunidade. Quando se vinculam, fazem-se absorventes, castradores, exigindo que os seus afetos vivam em caráter de exclusividade para eles. São, desse modo, relacionamentos perturbadores, egocêntricos.

O amor é uma conquista do espírito maduro, psicologicamente equilibrado; usina de forças para manter os equipamentos emocionais em funcionamento harmônico. E uma forma de negação de si mesmo em autodoação plenificadora. Não se escora em suspeitas, nem exigências infantis; elimina o ciúme e a ambição de posse, proporcionando inefável bem-estar ao ser amado que, descomprometido com o dever de retribuição, também ama. Quando, por acaso, não correspondido, não se magoa nem se irrita, compreendendo que o seu e o objetivo de doar-se, e não de exigir. Permite a liberdade ao outro, que a si mesmo se faculta, sem carga de ansiedade ou de compulsão.

Quando estas características estão ausentes, o amor é uma palavra que veste a memória condicionada da sociedade, em torno dos desejos lúbricos, e não do real sentimento que ele representa.

Esse relacionamento perturbador faz da outra pessoa um objeto possuído, por sua vez, igualmente possuidor, gerando a desumanização de ambos.

Ao dizer-se meu amigo, minha esposa, meu filho, meu companheiro, meu dinheiro, a posse está presente e a submissão do possuído é manifesta sem resistência, evitando conflitos no possuidor, não obstante, em conflito aquele que se deixa possuir, até o momento da indiferença, por saturação, desinteresse, ou da reação, do rompimento, transformando-se o afeto-posse em animosidade, em ódio.

Necessária uma nova conduta e para isto a psicologia profunda se torna o estudo de uma nova linguagem libertadora.

A palavra é um símbolo que veste a ideia; por sua vez, formulação de pensamento, que se torna uma memória acumulada e retorna quando se deseja vesti-lo.

A memória da sociedade adicionou conceitos sobre o amor e o relacionamento, estabelecendo sinais que os caracterizam, sem que auscultasse as suas estruturas psicológicas despidas de símbolos.

O homem deve comprometer-se ao autodescobrimento, para ser feliz, identificando seus defeitos e suas boas qualidades, sem autopunição, sem autojulgamento, sem autocondenação.

Pescá-los, no mundo íntimo, e eliminar aqueles que lhe constituem motivos de conflitos, deve ser-lhe a meta... Não se sentir feliz ou desventurado, porém empenhar-se por atenuar as manifestações primitivas de agressividade e posse, desenvolvendo os valores que o equipem de harmonia, vivendo bem cada momento, sem projetos propiciadores de conflitos em relação ao futuro ou programas de reparação do passado.

Simplesmente deve renovar-se sempre para melhor, agindo com correção, sem consciência de culpa, sem autocompaixão, sem ansiedade. Viver o tempo com dimensão atemporal, em entrega, em confiança, em paz.

Pode-se dizer que, no amor, quando alguém se identifica com a pessoa a quem supõe amar, esta, apenas, realizando um ato de prolongamento de si mesmo, portanto, amando-se, e não à outra pessoa. Esta identificação se baseia na memória do prazer e da dor, das alegrias e dos insucessos, portanto, amando o passado e as suas concessões, e não a pessoa em si, neste momento, como é. É habitual dizer-se: “— Amo, porque ela (ou ele) tem compartido da minha vida, das minhas lutas; ajudou-me, sofreu ao meu lado, etc.”

O sentimento que predomina aí é o de gratidão, e gratidão, infelizmente, não é amor, é reconhecimento que deve retribuir, compensar, quando em verdade, o amor é só doação.

Imprescindível, assim, uma nova linguagem que rompa com o atavismo, com a memória da sociedade, acumulada de símbolos, falsos uns, e inadequados outros.

Os relacionamentos humanos tornam-se, portanto, perturbadores, desastrosos, por falta de maturidade psicológica do homem, em razão, também, dos seus conflitos, das suas obsessões e ansiedades.

Graças ao autoconhecimento ele adquire confiança, e os seus conflitos cedem lugar ao amor, que se transforma em núcleo gerador de alegria com alta carga de energia vitalizadora.

O amor, porém, entre duas ou mais pessoas somente será pleno, se elas estiverem no mesmo nível.

A solução, para os relacionamentos perturbadores, não é a separação, como supõem muitos.

Rompendo-se com alguém, não pode o indivíduo crer-se livre para um outro tentame, que lhe resultaria feliz, porquanto o problema não é a da relação em si, mas do seu estado íntimo, psicológico. Para tanto, como forma de equacionamento, só a adoção do amor com toda a sua estrutura renovadora, saudável, de plenificação, consegue o êxito almejado, porquanto, para onde ou para quem o indivíduo se transfira, conduzirá toda a sua memória social, o seu comportamento e o que é.

Desse modo, transferir-se não resolve problemas. Antes, deve solucionar-se para trasladar-se, se for o caso, depois.


Do livro O Homem Integral, Sétima Parte, cap. 29, de Joanna de Ângelis, psicografado pelo médium Divaldo Franco.



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