Morte e renascimento da religião - Rogério Coelho
Com Jesus e Kardec Céu e Terra deram-se as mãos.
“(...) O Consolador que o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito; e ficará convosco para sempre.” Jesus. (Jo., 14: 16 e 26.)
Prevendo as interpolações e adulterações que os homens fariam com os Seus ensinamentos, Jesus prometeu, para mais tarde, a vinda de outro Consolador, cuja missão seria restabelecer todas as coisas. E o Consolador veio e as restabeleceu...
Segundo J. Herculano Pires[1], “(...) o Espiritismo surge como instrumento teórico-prático e, portanto, estético, do reajustamento necessário. Não somente a sua elaboração, mas a sua própria compreensão pelos homens dependia da evolução espiritual da humanidade. E a prova aí está, bem clara, na incompreensão da natureza tríplice do Espiritismo, revelada não somente pelos seus adversários, mas também por muitos dos seus adeptos, inclusive os intelectuais.
O primeiro passo a darmos, portanto, na compreensão da Doutrina Espírita, após o estudo histórico dos seus antecedentes e da sua elaboração, é no sentido dessa visão global, que no-la apresenta como doutrina tríplice: Ciência, Filosofia e Religião”.
Como Jesus não anunciou o Consolador II para tornar a colocar a casa nos trilhos doutrinários, e enquanto Allan Kardec não reencarna para tomar a direção dos trabalhos, a defesa do Espiritismo compete aos Espíritas Cristãos, isto é, aos Verdadeiros Espíritas, que devem se formalizar em peremptória e indignada repulsa contra a ação dos depredadores doutrinários, que inclusive postulam o Espiritismo laico.
Pois bem, para acalmar esses tais, aqui vai o recado que um Espírito deu ao Mestre Lionês no dia 30.04.1856, em uma reunião íntima na residência do Sr. Roustan, através da mediunidade da senhorita Japhet, exarada atualmente no livro “Obras póstumas”: “(...) deixará de haver religião e uma só se fará necessária, mas verdadeira, grande, bela e digna do Criador... Seus primeiros alicerces já foram colocados... Quanto a ti, Rivail, a tua missão é aí. Tu serás o obreiro que reconstrói o que foi demolido”.
A partir daqui vamos continuar nos apoiando no lúcido discernimento de J. Herculano Pires, que escreveu[2]: “(...) a mensagem desse Espírito tinha sentido mais amplo e profundo, e suas profecias ainda se realizam, ainda se processam aos nossos olhos.
Desde a promessa de Jesus, no Evangelho de João, até a vinda do Consolador, podemos ver, através da História, o trabalho bimilenar de preparação que se realizou, para o seu cumprimento. Bastaria isso para nos mostrar a importância daquele momento em que o Espírito da Verdade se identificou para o Prof. Rival. Após dois mil anos de fermentação histórica, de doloroso amadurecimento do homem, de criminosas deformações da mensagem cristã, afinal se tornava possível o restabelecimento dos ensinos fundamentais em sua pureza primitiva. De um lado, o Espírito da Verdade se apresentava aos homens, à frente de elevadas entidades espirituais, que voltavam à Terra para completar a obra do Cristo; de outro lado, Allan Kardec se colocava a postos, à frente de criaturas espiritualizadas, dispostas ao trabalho na imensa tarefa. O Céu e a Terra se encontravam e se davam as mãos! A Falange do Consolador não era apenas uma graça que descia do Mais Alto, mas também uma equipe de trabalhadores humanos, que se elevava para recebê-la.
A própria intimidade, logo estabelecida entre o Espírito da Verdade e Allan Kardec, as relações afetivas que se desenvolveram entre ambos, prolongando-se na consolidação de uma profunda confiança espiritual, através de quinze anos de intensa atividade, é suficiente para mostrar-nos quanto se achavam integrados no mesmo esforço, para a consecução do mesmo objetivo. Se o Espírito da Verdade comandava, por assim dizer, as atividades no plano espiritual, Allan Kardec fazia o mesmo no plano material. A Falange do Consolador se apresentava, portanto, como aquele grande exército espiritual, de que nos fala Conan Doyle, que tinha à frente uma turma de batedores. Desta vez, porém, os batedores estavam encarnados, constituíam a ponta-de-lança, a vanguarda terrena. E seu chefe, seu comandante, seu orientador, era o Prof. Rivail, um homem de cinquenta anos de idade, largamente experimentado, duramente provado, intensamente preparado para a grande missão. Somente ele, com o discernimento, a serenidade, a acuidade espiritual, o desprendimento, a isenção de ânimo, a coragem e a profunda cultura que o caracterizavam, podia colocar-se à frente da equipe que enfrentaria o “velho mundo”, eriçado de preconceitos e ambições, para fazer nascer entre os homens a alvorada de um “mundo novo”, irradiante de compreensão e de amor...
As pessoas que, dotadas de certa cultura, entusiasmam-se hoje com as possibilidades da época, e pretendem reformar a obra de Kardec, refundi-la, ou mesmo substituí-la por suas elucubrações pessoais ou por instruções particulares que recebem de espíritos pseudossábios, deviam meditar um pouco sobre a grandeza daquele momento em que o Espírito da Verdade se revelou ao Prof. Rivail. O que então se cumpria era uma promessa do Cristo, através de todo um imenso processo de amadurecimento espiritual do homem terreno. Kardec era apenas o instrumento necessário à elaboração do Terceiro Testamento, e nunca, jamais, como ele mesmo acentuou, um Revelador, um Profeta, um Messias, ou ainda um Filósofo, que por si mesmo elaborasse um novo sistema de pensamento. De outro lado, o Espírito da Verdade não se dizia o detentor exclusivo da Verdade, nem o Revelador Espiritual, mas o orientador dos trabalhos.
Ao lado do Espírito da Verdade encontramos toda a plêiade de Entidades espirituais que subscrevem a mensagem publicada nos “Prolegômenos” de “O Livro dos Espíritos”, e as demais, que aparecem como autoras das numerosas mensagens transcritas nesse livro, bem como em “O Evangelho Segundo o Espiritismo” e nas outras obras da Codificação.
Quantos trabalhadores humildes, que passaram despercebidos aos olhos humanos, brilham felizes nas constelações espirituais. À maneira do que se deu com a divulgação do Cristianismo, conhecemos um grupo de Espíritos que desempenharam atividades evidentes e ocuparam posições de grande responsabilidade no trabalho missionário, mas desconhecemos milhares de criaturas que, por toda parte, executaram tarefas de importância fundamental, na obscuridade e na humildade. Da mesma maneira, não conhecemos a extensão dos trabalhos espirituais, desenvolvidos no Espaço, e ignoramos os nomes, até mesmo, dos principais Espíritos a serviço da causa.
A publicação de O Livro dos Espíritos, em primeira edição, a 18 de abril de 1857, em Paris, marca o primeiro impacto da Doutrina Espírita no século. Não é ainda o livro definitivo, em sua forma acabada, que só virá a tomar com a segunda edição. Mas é o primeiro clarão da grande alvorada. Depois, virão O Livro dos Médiuns” em 1861, desenvolvendo e completando o livrinho “Instruções Práticas”; “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, em 1864, tendo nessa primeira edição o título “A Imitação do Evangelho Segundo o Espiritismo”; O Céu e o Inferno”, em 1865; “A Gênese”, Os Milagres e as Predições, Segundo o Espiritismo”, em 1868. Com esse último livro, concluía a Codificação. No ano seguinte, a 31 de março, Allan Kardec deixaria o mundo carnal, encerrando sua missão. Mas encerrando-a apenas no tocante àquela existência, pois o seu trabalho se prolongaria pelos séculos, e os próprios Espíritos o advertiram da necessidade de uma nova encarnação, para prosseguimento da obra iniciada”.
Volte depressa, caro Kardec!
[1] - J. Herculano Pires “O Espírito e o Tempo” 3.ed. São Paulo: EDICEL, 1979, parte III, cap. I, item 1.
[2] - Idem, ibidem, parte II, Capítulo V, itens 3 e 4.
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