Homens-aparência
A falta de uma consciência idealista, na qual predomina o bem geral sem os impulsos egoístas que trabalham em favor do imediatismo, torna difícil a realização da liberdade.
Para lográ-la até a plenitude, faz-se mister um seguro conhecimento interior do homem, das suas aspirações e metas, bem como os instrumentos de trabalho com os quais pretende movimentar-se.
Ignorando as reações pessoais sempre imprevisíveis, facilmente ele tomba nas ciladas da violência ou entrega-se à depressão, quando surgem dificuldades e as respostas ao seu esforço não correspondem ao anelado.
Incapaz de controlar-se, mantendo uma atitude criativa e otimista, mesmo em face dos dissabores, a liberdade se lhe transforma em uma conquista vazia, cuja finalidade é permitir-lhe extravasar os impulsos primitivos e as paixões agressivas, em atentado cruel contra aquilo que pretende: o anseio de ser livre.
O homem livre sonha e trabalha, confia e persevera, semeando, em tempo próprio, a feliz colheita porvindoura.
Não se pode conseguir de um para outro momento a liberdade, nem a herdar das gerações passadas. Cada indivíduo a conquista lentamente, acumulando experiências que amadurecem o discernimento e a razão de que se utiliza no momento de vivenciá-la.
Ela começa na escolha de si próprio; conforme o enunciado cristão do “amar ao próximo como a si mesmo”, se ama, porquanto não existindo este sentimento pessoal de respeito à própria individualidade, que propõe os limites dos direitos na medida dos deveres executados, não se pode esperar consideração aos valores alheios, com a consequente liberdade dos outros indivíduos.
Esse amor a si mesmo ergue o homem aos patamares superiores da vida que a sua consciência idealista descortina e o seu esforço produz. Meta a meta, ele ascende, fazendo opções mais audaciosas no campo do belo, do útil, do humano, deixando pegadas indicadoras para os indecisos da retaguarda. Sua personalidade se ilumina de esperança e a sua conduta se permeia de paz.
Lentamente, são retiradas as aparências do conveniente social, do agradável estatuído, do conforme desejado, para que a legítima identidade apareça e o homem se torne o que realmente é.
É claro que nos referimos às expressões de engrandecimento que, normalmente, permanecem enclausuradas no íntimo sem oportunidade de exteriorizar-se, soterradas, às vezes, sob sucessivas camadas de medo, de indiferença, de acomodação.
Muitos homens temem ser conhecidos nos seus sentimentos éticos, nos seus esforços de saudável idealismo, tachados, esses valores, pelos pigmeus morais, encarcerados no exclusivismo das suas paixões, como sentimentalismos, pieguices, fraquezas de caráter.
Confundem coragem com impulsividade e força com expressões do poder, da dominação. Porque vivem sem liberdade, desdenham os homens livres.
Na consciência profunda está ínsita a verdadeira liberdade, que deve ser buscada mediante o mergulho no âmago do ser e a reflexão demorada, propiciadora do autoconhecimento.
Em realidade o homem é livre e nasceu para preservar este estado.
Não tem limites a conquista da liberdade, porquanto ele pode, embora não deva, optar por preservar ou não o corpo, através do suicídio espetacular ou escamoteado, na recusa consciente ou não de continuar a viver.
Não se decidindo, porém, em preservar esse atributo, sustentando ou melhorando as estruturas psicológicas, sofre os efeitos do relacionamento social pressionador, e tomba nos meandros da turbulência dos dias que vive.
Esvaziados de objetivos elevados, os movimentos dos grupos sociais como dos indivíduos proporcionam a anarquia, que se mascara de liberdade, destacando-se a violência de um lado e o conformismo de outro, sem um relacionamento saudável entre as criaturas. Dissimulam-se os sentimentos para se apresentarem bem, conforme o figurino vigente, detestando-se fraternalmente e vivendo a competição frenética e desgastante para cada qual alcançar a supremacia no grupo, agradando o ego atormentado.
Apesar de acumularem haveres pregando o existencialismo comportamental, esses vitoriosos permanecem vazios, sem ideal, sem consciência ética, mumificados nas ambições e presos aos desejos que nunca satisfazem.
Desencadeia-se um distúrbio no conjunto social, que afeta o homem, por sua vez perturbando mais o grupo, em círculo vicioso, no qual a causa, gerando efeitos, estes se tornam novas causas de tribulação.
Reverter o sistema injusto e desgastante, no qual se mede e valoriza o homem pelo que tem, e não pelo que é, em razão do que pode, não do que faz, é o compromisso de todo aquele que é livre.
A desordenada preocupação por adquirir, a qualquer preço, equipamentos, veículos, objetos da propaganda alucinada; a ansiedade para ser bem-visto e acatado no meio social; o tormento para vestir-se de acordo com a moda exigente; a inquietação para estar bem informado sobre os temas sem profundidade de cada momento transtornam o equilíbrio emocional da criatura, arrojando-a aos abismos da perda da identidade, à desestruturação pessoal, à confusão de valores.
Homens-aparência, tornam-se quase todos. Calmos ou não, fortes ou fracos, ricos ou pobres enxameiam num contexto confuso, sem liberdade, no entanto, em regime político e social de liberdade, atulhados de ferramentas de trabalho como de lazer, desmotivados e automatistas, sem rumo. Prosseguem, avançando — ou caminhando em círculo? — desnorteados na grande horizontal das conquistas de fora, temendo a verticalidade da interiorização realmente libertadora.
Do livro O Homem Integral, Primeira Parte, cap. 7, obra de Joanna de Ângelis, obra psicografada pelo médium Divaldo Franco.
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