A chegada de O Livro dos Espíritos no Brasil

Pioneiros no Brasil foram fundamentais para a divulgação do Espiritismo.

Na época atual, pode-se adquirir com a maior facilidade um exemplar de O Livro dos Espíritos. No entanto, não foram poucos os obstáculos enfrentados para que sua publicação se concretizasse, tanto na França como no Brasil.

No livro Mandato de Amor, publicado pela União Espírita Mineira, encontra-se um relato de Francisco Cândido Xavier sobre as dificuldades de ordem material que Allan Kardec enfrentou quando da primeira publicação de O Livro dos Espíritos:

“Em princípios de 1857, o livreiro E. Dentu, amigo do Professor Hyppolyte Léon Denizard Rivail, desde os idos de 1828, havia encaminhado os originais da primeira obra espírita compilada pelo referido professor à tipografia de Beau, situada em Saint Germain em Laye, 23 Km a oeste de Paris.

O proprietário da tipografia presidia normalmente os trabalhos de revisão e aprimoramento do que viria a ser a primeira obra da Codificação Espírita, quando algo inesperado sucedeu-se: sua desencarnação.

O fato logo repercutiu negativamente no andamento da obra, já que os dois filhos do tipógrafo relegaram-na ao esquecimento ao assumirem o posto do pai. Os apelos do Prof. Rivail não se fizeram ouvir e os filhos limitavam-se a dizer que a feitura da edição iria demorar muito.

Valendo-se de inspiração superior, o Prof. Rivail resolveu por bem solicitar o concurso da viúva do tipógrafo. Deliberou visitá-la em sua residência e esclareceu-lhe sobre o que se passava. A viúva, tomada de simpatia pela causa, leu os originais de “O Livro dos Espíritos”. Sentindo-se reconfortada em sua dor moral, e usando de sua autoridade perante os filhos, escreveu sobre os originais a ordem irrevogável: TRÉS URGENT (URGENTÍSSIMO).

A tipografia logo iniciou a impressão e o indispensável acabamento dos dois mil primeiros exemplares, em formato grande, com 176 páginas.

Raiava o inesquecível dia 18 de abril daquele ano de 1857, e os editores, representados por Dentu, finalmente trouxeram a lume, na praça parisiense, a auspiciosa edição. A Cidade Luz acabava de acolher, então, em seu seio, a luz mais brilhante e poderosa de sua História.”

A primavera exuberante inundava Paris quando, na Galeria d'Orléans do Palais Royal, Allan Kardec publicava sua primeira obra espírita: O Livro dos Espíritos.  Tal fato representava um marco para o início de um novo momento para a evolução espiritual da humanidade.

No plano espiritual, a equipe formada pelos Espíritos Superiores encarregados da nova revelação, sob as ordens de Jesus, mobilizava-se para que, a partir daquele século XIX, o Espiritismo se consolidasse. O primeiro passo havia sido dado.

No Brasil, porém, esse livro demorou a chegar. Os que tinham acesso às obras de Allan Kardec eram geralmente intelectuais que conheciam o idioma francês, os quais percebiam a necessidade urgente de se traduzirem as obras de Kardec para o português, de modo que o Espiritismo pudesse chegar ao conhecimento e estudo por parte de todos, sem distinções.

Dois nomes se destacaram nesse cenário brasileiro: Luis Olímpio Teles de Menezes (1828-1893), na Bahia, e Joaquim Carlos Travassos (1839-1915), no Rio de Janeiro.1

Teles de Menezes, um dos pioneiros do Espiritismo no Brasil, publicava, em 1866, na Bahia, em português, a Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita, por ele mesmo traduzida da 13a edição francesa de O Livro dos Espíritos. Foi ele também o responsável pela publicação do primeiro jornal espírita do Brasil: O echo d’além-túmulo, em março de 1869.

É ao Dr. Travassos (ele era médico) que o Brasil espírita deve a primeira tradução das obras de Kardec. Foi ele, em 1875, sob o pseudônimo de Fortúnio, a fazer a primeira tradução para o português de O Livro dos Espíritos, a partir da 20a edição francesa. A publicação foi feita pela primeira editora no Brasil a publicar as obras básicas de Allan Kardec: a B. L. Garnier, fundada em 1844, no Rio de Janeiro, por Baptiste-Louis Garnier, um jovem empreendedor de 21 anos, recém-chegado da França.

Foi ele também que fez a tradução das demais obras de Kardec:

O Livro dos Médiuns, em 1875, a partir da 12a edição francesa, sem o nome do tradutor;

O Céu e o Inferno, em 1875, a partir da 4a edição francesa, sem o nome do tradutor;

O Evangelho Segundo o Espiritismo, em 1876, a partir da 16a edição francesa, sem o nome do tradutor.

Dr. Travassos, numa carta dirigida ao Sr. Pierre-Gaëtan Leymarie (1827-1901), responsável pela continuidade do trabalho de divulgação das obras de Kardec em Paris, assim se expressou em determinado trecho:

“Permitindo o Pai celeste que eu fosse, com o nosso amigo Sr. C. Lieutaud, um dos propagadores do Espiritismo neste canto do mundo chamado Brasil, empreendi a tradução, para a língua nacional, das obras do Mestre. Graças ao auxílio dos bons Espíritos, essas imortais obras estão sendo publicadas, apesar das dificuldades e da resistência que as grandes ideias geralmente encontram, sobretudo uma filosofia que visa extirpar os vícios de uma sociedade egoísta que resume toda a sua satisfação nos prazeres materiais.”

Como se vê, desde o lançamento de O Livro dos Espíritos, na França, em 18 de abril de 1857, até sua tradução e publicação no Brasil, passaram-se 18 anos!

Foi justamente pelas mãos do Dr. Travassos que um exemplar de O Livro dos Espíritos, em português, chegou às mãos do Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, também médico e seu amigo pessoal. E foi este livro que atraiu o ilustre médico e político para a Doutrina Espírita.

Estava reservada a Bezerra de Menezes uma tarefa missionária em relação ao Espiritismo: conciliar as divergências existentes na época e consolidar a Doutrina Espírita no território brasileiro.  Sua tarefa se confirmou ao assumir, em agosto de 1895, a presidência da Federação Espírita Brasileira (fundada em 1884).

Nessa mesma época, a Livraria Espírita, em Paris, de propriedade da Sra. Amélie Gabrielle Boudet (1795-1883), viúva de Allan Kardec, entra em liquidação por absoluta falta de recursos financeiros. Não havia interessados em manter a tarefa de divulgação espírita na Europa. Na França, a tarefa espírita chegava ao fim, com a desencarnação da viúva de Kardec e o fechamento definitivo da Livraria.

Foi assim que, em 15 de novembro de 1897, o Sr. Leymarie concede, gratuitamente, à Federação Espírita Brasileira, os direitos de publicação, em português, das obras de Kardec, com o compromisso de manter fidelidade aos originais. O responsável por essa transação foi Bezerra de Menezes, que nessa época era o presidente da Federação Espírita Brasileira. Transferia-se, assim, para o Brasil, a tarefa de continuar a divulgação da Doutrina Espírita.

Nas primeiras décadas do século XX, outro vulto se destaca: Luís Olímpio Guillon Ribeiro (1875-1943), que muitas contribuições trouxe para o Espiritismo no Brasil. Dotado de grande inteligência e senso prático (era formado engenheiro civil), entre os vários serviços prestados à causa espírita, também realizou as traduções das obras de Kardec para o português.

Na minuciosa pesquisa biobibliográfica desenvolvida por Zêus Wantuil (diretor e colaborador da Federação Espírita Brasileira, desencarnado em setembro de 2011) e Francisco Thiesen (1927-1990), composta de três volumes, encontram-se os pormenores de todos esses episódios, os quais muito resumidamente aqui foram citados.2

Foi graças à atuação, sabe-se lá com quantos e quais sacrifícios, desses intrépidos trabalhadores do passado e de muitos outros que se mantiveram anônimos, que o Brasil espírita deve sua formação em relação ao Espiritismo.

Até os dias atuais, passaram-se 138 anos desde que a primeira edição em português de O Livro dos Espíritos foi efetuada no Brasil. Embora tenha encontrado, de imediato, funda ressonância entre pessoas identificadas com o espírito renovador das recentes revelações, pode-se avaliar quanto é grande a tarefa de divulgar, ensinar, esclarecer, estudar e, sobretudo, vivenciar os ensinamentos espíritas!


1. Federação Espírita do Paraná – www.feparana.com.br.

2. WANTUIL, Zêus; THIESEN, Francisco. Allan Kardec (Pesquisa biobibliográfica e ensaios de interpretação) Vol. III. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. 4.ed. 1998.

 

Este texto foi publicado originalmente na RIE - Revista Internacional de Espiritismo em abril/2013.



Comentário

0 Comentários