Pierre-Paul Didier
Nascido em Paris, França, no ano de 1800, Pierre-Paul Didier desencarnou no dia 2 de dezembro de 1865. Editor e livreiro, foi espírita e amigo pessoal de Allan Kardec, tendo também participado como membro da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. A ele devemos a publicação das obras de Allan Kardec.
Filho de um simples operário, empregou-se aos 18 anos como balconista de uma livraria, mas logo depois tornou-se seu representante comercial, viajando então pelos arredores de Paris. Em 1825 foi certificado livreiro — exigência formal do governo francês para se atuar nessa profissão. Em 1827, Didier fundou a Livraria Acadêmica, que mais tarde se tornaria a editora referência para a elite da literatura científica parisiense, de que participaram conceituados professores da Sorbonne.
Sua editora publicou obras científicas memoráveis, inclusive o sexto tomo do Grande Dicionário Universal do Século XIX, de Pierre Larousse, publicação em que no verbete Didier se lê a seguinte referência ao seu estabelecimento:
“[...] É na Livraria Didier que se encontram as melhores obras da literatura contemporânea, que chamaremos, como ele, de especialmente acadêmica, sem dar a este qualificativo uma ideia presunçosa...”
Depois de descrever a Livraria Acadêmica Didier como “(...) um lugar calmo e de descanso, de onde o luxo estava impiedosamente banido (...), um lugar de primeira ordem, gozando da consideração universal e tendo conquistado lealmente suas cartas de nobreza...”, o historiador francês Ernest Maindron (1838-1907) assim conta da conversão do grande editor ao Espiritismo:
“Foi nesse meio honesto e refletido, onde só a alta literatura tinha livre acesso e que nada havia preparado para semelhante missão, que DENIZARD RIVAIL, mais conhecido sob o pseudônimo de Allan Kardec, encontrou o meio de mandar editar suas obras sobre o Espiritismo.
“Por muito tempo Didier as havia repudiado, mas, conquistado pouco a pouco para as ideias sedutoras das quais Allan Kardec se havia feito o propugnador infatigável e resoluto, decidiu, apesar da enérgica oposição de seus amigos, mandar imprimir O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns. Tendo penetrado em seu espírito a convicção mais inabalável, ele levou então para a difusão da doutrina espírita o zelo que aplicava a todas as coisas.”
De fato, depois de publicar a primeira edição de O Livro dos Espíritos pela Editora Dentu, de Édouard Dentu (1830-1884), o codificador do Espiritismo serviu-se da editora de Didier para o relançamento daquela obra, em 1860, e das edições seguintes, bem como dos demais títulos da sua obra doutrinária, até sua desencarnação, em 1869. Dessa relação profissional brotou uma amizade das mais puras.
Sobre o editor, o codificador espírita escreveu:
“Sr. Didier não era o negociante de livros, a calcular seu lucro centavo por centavo, mas o editor inteligente, justo apreciador, consciencioso e prudente, tal qual era preciso para fundar uma casa séria como a sua. […]” (Revista Espírita - jan. de 1866: ‘Necrológio - Morte do Sr. Didier, livreiro-editor’.)
O respeito e a confiança que Kardec lhe depositava ficam bastante evidentes quando considerarmos que, justamente por influência do editor e amigo, o título de um dos livros básicos do Espiritismo foi alterado no seu relançamento:
“Eu não havia dado a ninguém conhecimento do assunto do livro em que estava trabalhando. Conservei em segredo o seu título de tal modo que o editor, Sr. Didier, só o conheceu quando foi para a impressão. A princípio, esse título foi Imitação do Evangelho. Mais tarde, por efeito de reiteradas observações do mesmo Sr. Didier e de algumas outras pessoas, mudei-o para O Evangelho segundo o Espiritismo.” (Obras Póstumas, Allan Kardec - 2ª parte, ‘9 de agosto de 1863: Imitação do Evangelho.)
Exéquias de Didier
Noticiando na Revista Espírita o falecimento do seu amigo editor, a Allan Kardec exprimiu na oportunidade o apreço que tinha por Didier, colocado então como “um dos mais sinceros e dedicados adeptos do Espiritismo”:
“O Espiritismo acaba de perder um de seus adeptos mais sinceros e dedicados, na pessoa do Sr. Didier, morto sábado, 2 de dezembro de 1865. Era membro da Sociedade Espírita de Paris desde a sua fundação em 1858 e, como se sabe, editor de nossas obras sobre a doutrina. Na véspera assistia à sessão da Sociedade, e no dia seguinte, às seis horas da tarde, morria subitamente numa estação de ônibus, a alguns passos de seu domicílio, onde, felizmente, se achava um de seus amigos, que o mandou transportar para casa. Suas exéquias realizaram-se terça-feira, 5 de dezembro.” (Revista Espírita - jan. de 1866: ‘Necrológio: Morte do Sr. Didier, livreiro-editor.)
Na ocasião, Kardec defendeu a convicção doutrinária do confrade recém-desencarnado, rebatendo um comentário feito pelo periódico Petit Journal, dando nota da morte de Didier, e sugerindo que ele, “por ter editado as obras do Sr. Allan Kardec, havia se tornado adepto do Espiritismo por polidez de editor”. Em resposta, escreveu o redator da Revista Espírita:
“Não pensamos que a mais requintada polidez obrigue um editor a esposar as opiniões de seus clientes, nem que deva tornar-se judeu, por exemplo, porque editasse as obras de um rabino. Tais restrições não são dignas de um escritor sério.”
E complementou:
“As opiniões espíritas do Sr. Didier eram conhecidas e ele jamais fez mistério, pois muitas vezes as discutia com os incrédulos. Sua convicção era profunda e de longa data, e não, como o supõe o autor do artigo, uma questão de circunstância ou uma polidez de editor. Mas é tão difícil a esses senhores, para quem a Doutrina Espírita está inteirinha no armário dos irmãos Davenport, concordar que um homem de notório valor intelectual creia nos Espíritos! Todavia, é preciso que se acostumem a essa ideia, pois há muitas outras que eles não imaginam e das quais não tardarão a ter a prova...”. (Revista Espírita - jan. de 1866: ‘Necrológio: Morte do Sr. Didier, livreiro-editor.)
Por ocasião do sepultamento de Didier era dado como certo que também Kardec falasse durante as exéquias, o que não aconteceu, para surpresa da grande massa que veio prestar homenagem ao renomado livreiro. Mas, na sessão seguinte da Sociedade Espírita, Kardec fez um solene discurso em honra à memória do amigo editor, discurso esse que foi transcrito na Revista Espírita do mês seguinte à morte de Didier, aproveitando aí para explicar, com toda a prudência e humildade que lhe era peculiar, o porquê de não o ter feito publicamente, na cerimônia do sepultamento:
“Algumas pessoas ficaram surpresas porque não tomei da palavra em seu enterro. Os motivos de minha abstenção são muito simples. Antes de mais, direi que a família, não me tendo manifestado desejo, eu não sabia se isto lhe seria ou não agradável. O Espiritismo, que aos outros censura impor-se, não deve incorrer na mesma condenação; jamais se impõe; espera que venham a ele. Além disso, eu previa que a assistência seria numerosa e que, no número, se encontrariam muitas pessoas pouco simpáticas, ou mesmo hostis, às nossas crenças. Naquele momento solene, além de ter sido pouco conveniente vir chocar publicamente convicções contrárias, isto poderia fornecer aos nossos adversários um pretexto para novas agressões. Neste tempo de controvérsia, talvez tivesse sido uma ocasião de dar a conhecer a doutrina; mas não teria sido esquecer o piedoso motivo que nos reunia? Faltar com o devido respeito à memória daquele que acabávamos de saudar em sua partida? Era sobre um túmulo aberto que convinha contra-atacar? Havereis de convir, senhores, que o momento teria sido mal escolhido. O Espiritismo ganhará sempre mais com a estrita observação das conveniências do que perderá em deixar escapar uma ocasião de se mostrar. Ele sabe que não precisa de violência; visa ao coração: seus meios de sedução são a doçura, a consolação e a esperança; é por isto que encontra cúmplices até nas fileiras inimigas. Sua moderação e seu espírito conciliador nos põem em relevo por contraste; não percamos essa preciosa vantagem. Busquemos os corações aflitos, as almas atormentadas pela dúvida: seu número é grande; lá estarão os nossos mais úteis auxiliares; com eles faremos mais prosélitos do que com anúncios publicitários e encenações.
“[...] Crede bem, senhores, que eu tenho no coração, tanto quanto qualquer outro, os interesses da doutrina e que, quando faço ou não faço uma coisa, é com madura reflexão e depois de ter pesado as consequências.” (Revista Espírita - jan. de 1866: ‘Necrológio: Morte do Sr. Didier, livreiro-editor.)
Os filhos de Didier
Pierre-Paul Didier teve dois filhos, ambos inclinados à arte da pintura: Jules, o mais velho, alcançou um bom êxito, tendo obtido um prêmio em paisagem de Roma, Itália, sendo caracterizado pela excessiva modéstia; o outro, Alfred, nada acanhado, tornou-se um personagem de certa importância no movimento espírita, inclusive acompanhando seu pai na filiação à Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, onde, descobrindo-se médium, foi o recebedor de várias mensagens do Espírito de Lamennais, algumas das quais Allan Kardec publicou nas obras da codificação do Espiritismo; por exemplo, a comunicação “Deve-se expor a vida por um malfeitor?”, presente em O Evangelho segundo o Espiritismo.
A morte do pai, no entanto, criou um embaraço entre Alfred Didier e Kardec: o filho mostrou-se contrário à evocação do Espírito do seu pai naquela Sociedade Espírita, na mesma semana do funeral, sob a alegação de que “os espíritas se equivocam em se entregar a evocações, que não dão resultado, não fornecem prova de identidade e, como dizia seu querido pai, servem de vara aos nossos adversários para flagelar a doutrina espírita.” Por sua vez, Kardec respondeu que não se poderia impedir um Espírito se comunicar livremente, fosse naquela Sociedade ou fosse em qualquer grupo mediúnico familiar. Ao final, o filho de Didier abandonou o círculo espírita e foi se dedicar à pintura.
Com efeito, não se tem conhecimento de nenhuma aparição do recém-desencarnado Didier, seja na Sociedade Espírita, seja em qualquer sessão particular. Mas numa comunicação datada de 4 de julho de 1868, através do médium Desliens, o antigo livreiro veio dirigir-se ao amigo Kardec para lhe aconselhar sobre os procedimentos de um projeto que estava em curso: a edição revisada do livro A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo. Esta mensagem, intitulada ‘Meus trabalhos pessoais - Conselhos diversos’, foi inserida em Obras Póstumas de Allan Kardec, publicada em 1890 pela Sociedade Anônima Espírita, porém sem denominar o Espírito comunicante. Posteriormente, na Revista Espírita de março de 1887, a identidade espiritual foi revelada, para a defesa de Pierre-Gaëtan Leymarie (então diretor da Sociedade Anônima Espírita) frente à acusação de que o mestre espírita não tinha qualquer intenção de editar A Gênese e que sua publicação “revisada, corrigida e aumentada” (5ª edição, 1872) seria uma fraude do próprio Leymarie. Portanto, a comunicação de Didier, dentre outras evidências, viria provar que a acusação era equivocada, que Kardec realmente estava trabalhando na reformulação deste seu livro, como se deu em 1869 — dois anos antes da reimpressão feita por Leymarie.
Esta é a comunicação de Didier, dirigida à Allan Kardec:
“Vossos trabalhos pessoais estão indo bem; continuai com a reimpressão de vossa última obra; fazei vosso sumário para o fim do ano, é uma utilidade, e deixai o restante por nossa conta.
“A impulsão produzida pela Gênese é só o começo, e muitos elementos abalados por sua aparição se colocarão em breve sob sua bandeira; outras obras sérias ainda virão para acabar de esclarecer o pensamento humano sobre a nova doutrina.
“Aplaudi igualmente a publicação das cartas de Lavater: é uma coisa mínima destinada a produzir grandes efeitos. Em suma, o ano será frutífero para todos os amigos do progresso racional e liberal.
“Estou também inteiramente de acordo que publiqueis o resumo que vós propondes a fazer na forma de catecismo ou manual, mas também acho que deves o esmiuçar com cuidado. Quando estiverdes a publicá-lo, não vos esqueçais de me consultar sobre o título, terei talvez uma boa sugestão a dar e cujos termos dependerão dos acontecimentos ocorridos.
“Quando vos aconselhamos recentemente que não esperásseis demais para ocupar-vos da revisão da Gênese, dizíamos-vos que haveria de fazer acréscimos em diferentes partes, preencher algumas lacunas e noutras partes condensar o assunto a fim de não dar mais extensão ao volume.
“Nossas observações não foram em vão, e ficaremos felizes em colaborar na remodelação dessa obra, bem como em ter contribuído para sua execução.
“Eu vos exortarei hoje a que reveja com cuidado sobretudo os primeiros capítulos, nos quais todas as ideias são excelentes, que não contém nada que não seja verdadeiro, mas certas expressões ali poderiam prestar-se a uma interpretação errônea. Com exceção dessas retificações, que vos aconselho não negligenciar, porque as pessoas voltam-se contra as palavras quando não podem atacar as ideias, não tenho nada mais para vos indicar sobre esse tema. Aconselho, por exemplo, que não percais tempo; é preferível que os volumes esperem pelo público do que estejam em falta. Nada deprecia mais uma obra do que a interrupção de sua venda. O editor, impaciente por não poder satisfazer os pedidos que lhe são feitos e que perde a oportunidade de vender, desanima com as obras de um autor imprevidente; o público cansa-se de esperar, e a impressão produzida custa a apagar-se. Por outro lado, não é mau que vós tenhais certa liberdade de espírito para tratar das eventualidades que possam surgir em torno de vós, e dirigir vossos cuidados aos estudos particulares que, conforme os eventos, podem ser suscitados de momento ou relegados aos tempos mais propícios.
“Estai, pois, pronto para tudo; ficai livre de todo entrave, seja por vos entregardes a uma tarefa especial, se a tranquilidade geral o permite, seja por estar preparado a todo acontecimento se complicações imprevisíveis venham necessitar de vossa parte uma súbita determinação.
“O próximo ano chegará em breve; é necessário, portanto, que no final deste, deis a última demão na primeira parte da obra espírita, a fim de ter o campo livre para terminar a tarefa que concerne ao futuro.” (Obras Póstumas, Allan Kardec - 2ª parte: ‘Meus trabalhos pessoais. Conselhos diversos.)
Como já sabido, essa edição revisada foi concretizada e, para tanto, certamente que os conselhos do amigo editor, mais uma vez, foram de grande valia para o pioneiro espírita.
Por tudo isso, Pierre-Paul Didier é um personagem memorável para a História do Espiritismo, sobretudo como inspiração para uma divulgação abnegada em prol da nossa doutrina.
Fonte: https://www.luzespirita.org.br/index.php?lisPage=enciclopedia&item=Pierre-Paul%20Didier
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