Paciência: a ciência da paz - Rogério Coelho
A paz é tesouro que não pode ser afetado em circunstância alguma.
“Pela vossa paciência possuireis a vossa Alma.” Jesus. (Lc., 21:19.)
Cento e trinta e oito anos separam as épocas em que duas páginas escritas por Joanna de Ângelis vêm-nos falar da paciência: a primeira escrita em 1862, no Havre, sob o pseudônimo de “Um Espírito Amigo”, incluída por Allan Kardec em O Evangelho Segundo o Espiritismo, no capítulo IX, item 7; a segunda inserida no livro: Jesus e o Evangelho à Luz da Psicologia Profunda, editado no ano 2000, da lavra psicográfica de Divaldo Pereira Franco.
Em ambas, a autora espiritual nos mostra que a paciência e a caridade são os dois trilhos paralelos, sobre os quais deve deslizar, com desassombro e segurança, o veículo de nossa evolução na direção do Infinito, em busca de nossa integração com o Pai Celestial, ou seja, na conquista do fanal assinado por Deus para todos os Seus filhos: a felicidade imarcescível e a perfeição relativa.
Nas duas páginas podemos avaliar a importância da paciência no processo evolutivo. Sem ela não passaríamos de aves feridas impossibilitados de alçar voo aos acumes da Espiritualidade.
Paciência e paz são elementos da equação evolutiva que nos permitirão lograr a ainda grande incógnita que é a perfeição e a felicidade sem mescla do zênite espiritual.
Com razão, afirma a nobre Mentora Joanna de Ângelis, na segunda obra acima mencionada: “(...) Jesus era um homem dotado de extrema paciência, por conhecer o passado das Almas e prever o seu futuro, como resultado da conduta e do empenho a que se entreguem.
A paciência também pode ser considerada como a ciência da paz, e por isso são bem-aventurados os pacíficos, aqueles que trabalham com método e confiança tranquila em favor da renovação do mundo e das suas criaturas, conseguindo ser chamados filhos de Deus que representam toda a paz que deve constituir a meta do ser pensante que luta em contínuas tentativas de adquirir a plenitude.
A paz é tesouro que não pode ser afetado em circunstância alguma, que a leve a desaparecer, sendo a paciência a sua exteriorização, porque é o mecanismo não violento de que se utiliza, a fim de alcançar os objetivos a que se propõe.
A paciência conquista individual através do esforço pela autoiluminação, pelo autoconhecimento e descoberta dos objetivos da existência, transforma-se em Caridade de essencial significado quando direcionada aos que sofrem, ajudando-os com benignidade, trabalhando a resignação que dela também se deriva.
Há sofrimentos ocultos e desvelados muito variados e complexos que são desafiadores da sociedade. Aqueles que são mais vistos às vezes sensibilizam os indivíduos, que se comovem e se oferecem para minimizá-los, embora as multidões de aflitos e sofredores se apresentem em desalinho pelas ruas, vielas e campos do mundo... Todavia, aqueles que são ocultos, que poucos percebem, estiolando os sentimentos mais belos do indivíduo, esses esperam mãos compassivas e corações pacientes para auscultá-los e escutar-lhes os gemidos dilaceradores que as mortificam. Nem sempre ou quase nunca a tarefa é fácil. Alguns seres se encontram tão doentes moralmente e tão descrentes da Caridade, que se fazem agressivos, difíceis de serem ajudados, exigindo paciência perseverante e desinteressada para alcançá-los. Outros tantos, através das suas reações afetivas encolerizadas, constituem prova áspera que a paciência deverá suplantar com bondade e compaixão.
Quanto mais doente, mais atendimento paciente necessita a ave humana ferida no seu voo de crescimento interior... Nem sempre é fácil entender o desespero de outrem, quando não se experimentou algo semelhante. São muitos os fatores de aflição, desde pequeninas dificuldades até às exaustivas e quase insuportáveis expiações, todas exigindo paciência a fim de serem atendidas e solucionadas. A paciência encoraja o ser, porque o ajuda a enfrentar quaisquer situações, tomado pela ciência da paz. Jesus deu mostras significativas dessa conduta, quando deixou de fazer muita coisa que parecia indispensável e solucionadora. Não Se apressou em iniciar o ministério, senão quando os tempos haviam chegado e as circunstâncias se faziam auspiciosas: aguardou que João, o Batista, O anunciasse e, quando aquele estava quase terminando o ministério, Ele deu início ao Seu conforme o anúncio das velhas profecias. Submeteu-Se a todas as injunções impostas pelas revelações antigas que caracterizariam o Messias. Pacientemente aceitou a observação do Batista que O testificou após o fenômeno da Voz espiritual que se fez ouvida, informando ser este o Filho dileto, em quem me agrado confirmando a independência entre o Pai e o Descendente.
Jesus viveu a Sua humanidade com singular elevação, suportando fome, dor, abandono e morte sem impacientar-Se, submisso e confiante, ultrapassando todas as barreiras então conhecidas a respeito das resistências humanas, assim tornando-Se um Paradigma a ser seguido, destroçando o que era comum, corriqueiro, banal, fixo em torno dos indivíduos: o limite das suas forças...”
O processo evolutivo não é um parto indolor e tampouco incruento... E porque a dor invariavelmente nos marca a ascese espiritual, faz-se necessária a paciência para suportá-la, buscando, ao mesmo tempo, o entendimento de sua finalidade emancipadora. Daí a oportunidade do texto de Joanna de Ângelis no qual a bondosa e lúcida Mentora nos ensina: “(...) a dor é uma bênção que Deus envia a Seus eleitos... Não vos aflijais, pois, quando sofrerdes; antes, bendizei de Deus onipotente que, pela dor, neste mundo, vos marcou para a glória no Céu.
Sedes pacientes. A paciência também é uma caridade e deveis praticar a lei de caridade ensinada pelo Cristo, enviado de Deus. A caridade que consiste na esmola dada aos pobres é a mais fácil de todas. Outra há, porém, muito mais penosa e, conseguintemente, muito mais meritória: a de perdoarmos aos que Deus colocou em nosso caminho para serem instrumentos do nosso sofrer e para nos porem a paciência à prova.
A vida é difícil, bem o sei; compõe-se de mil nadas, que são outras tantas picadas de alfinetes, mas que acabam por ferir. Se, porém, atentarmos nos deveres que nos são impostos, nas consolações e compensações que, por outro lado, recebemos, havemos de reconhecer que são as bênçãos muito mais numerosas do que as dores. O fardo parece menos pesado, quando se olha para o alto, do que quando se curva a fronte para a terra.
Coragem, amigos! Tendes no Cristo o vosso modelo. Ele sofreu muito mais do que qualquer de vós e nada tinha de que se penitenciar, ao passo que vós tendes de expiar o vosso passado e de vos fortalecer para o futuro.
Sede, pois, pacientes, sede cristãos. Essa palavra resume tudo”.
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[1] - Lucas, 3:17.
2 - KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 88.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2006, q. 625.
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