Os cenários sombrios da guerra - Anselmo Vasconcelos

É profundamente chocante constatar, uma vez mais, o incomensurável atraso moral humano, que ainda é capaz de recorrer ao mais hediondo meio – a guerra – para fazer prevalecer a sua vontade doentia. A milenar mensagem cristã que sempre convoca o homem à razão e à serenidade não lhe penetra o coração como desejado... Até quando necessitaremos de conflitos beligerantes para resolver nossas quizilas? Infelizmente, duas guerras mundiais não foram suficientes para tornar a criatura humana menos selvagem e bárbara. As imagens apocalípticas que nos chegam relativas à guerra da Ucrânia – especialmente de cidades dizimadas ou parcialmente destruídas como Mariupol, Bucha e Kiev - não apenas nos sensibilizam, mas igualmente golpeiam os nossos melhores sentimentos. Homens, mulheres e crianças brutalmente assassinados com os seus corpos insepultos expõem a imensa tragédia espiritual humana que ora ocorre. Vendo-as sentimos vergonha de fazer parte de um mundo onde a piedade e compaixão não arrefecem a maldade presente nas mentes insanas.

É sempre pertinente lembrar que guerras evocam o que há de pior no coração humano. Sempre foi assim. O vencedor se arroga o direito de tripudiar sobre o seu irmão menos forte desrespeitando-lhe os mínimos direitos. É doloroso ter de admitir que todas as desgraças decorrentes de infindáveis guerras acumuladas em milênios de suposta civilização não foram suficientes para evitar mais esse holocausto. Por isso, é preciso reconhecer que a Terra continua abrigando seres da mais alta periculosidade, dispostos a tudo para atingir os seus objetivos sinistros. Para eles, aliás, pouco ou nada significam as vidas de inocentes. Acreditam que levarão para o túmulo o cetro do poder fugidio sem se dar conta que a hora deles também chegará e com ela todas as responsabilidades... É complicado vislumbrar – pelo menos por ora – os desdobramentos dessa guerra fratricida e covarde, em que um lado usa toda a sua força militar (descomunal) com vistas a aniquilação do outro que não lhe aceita a imposição arbitrária e covarde.

Allan Kardec interpelou, a propósito, as entidades espirituais sobre os efeitos da guerra (questão nº 742 d’O Livro dos Espíritos). Entre outras coisas, ele foi esclarecido que “[...] À medida que o homem progride, menos frequente se torna a guerra, porque ele lhe evita as causas, fazendo-a com humanidade, quando a sente necessária”. Pois é exatamente isso que não se vê no mencionado conflito, dando-nos a entender que mesmo um estado rudimentar de “humanidade” o lado mais forte sequer alcançou.

Avançando no tema, Kardec indagou-os ainda: “743.  Da face da Terra, algum dia, a guerra desaparecerá? “Sim, quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus. Nessa época, todos os povos serão irmãos”. Vê-se, assim, o quão distanciados ainda estamos da assimilação e entendimento das leis divinas calcadas no amor e respeito mútuo. No momento em que escrevo essas rápidas linhas, o noticiário internacional informa que um general russo (com merecida fama de açougueiro pelo que realizou anteriormente na guerra da Síria, bem como ao longo da sua carreira como militar) foi convocado pelo seu líder (despótico) a assumir a direção das iniciativas de destruição do país vizinho. Na verdade, o esforço empreendido nesse sentido foi altamente eficaz até aqui gerando uma diáspora sem precedentes entre os ucranianos. Alguns analistas estimam que mais de 7 milhões de pessoas já fugiram do país deixando tudo para trás. Mas como não se vê uma luz no fim do túnel, que possa criar um entendimento, é provável que o conflito e a mortandade continuem a nos constranger.

Pelo lado do invasor impiedoso, certamente as consequências em seu solo já se fazem ser sentidas, já que a população lhe sente os efeitos no dia a dia. Mais ainda: a Rússia e o seu líder passam agora a ostentar a alcunha de párias mundiais, já que demonstram ser incapazes de viver e colaborar para um mundo pacífico. Nem mesmo a queda da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – no começo dos anos 1990 - e a perestroika conseguiram abafar de vez os pruridos imperialistas desse país. O receio de perder as benesses do regime obsoleto e cruel soa inaceitável para uma boa parte da sua elite. Posto isto, a Rússia continua tendo grande lastro histórico marcado pela violência e desrespeito aos direitos humanos que lhe impedem avanços éticos e morais expressivos. Trata-se de um regime que não consegue conviver com ideias democráticas ou liberdade de expressão. Muitos perderam suas vidas simplesmente por questionar as abjetas diretrizes que inspiram aquele grande país.

Desse modo, um boa parte dos russos não acompanha e nem ajuda a humanidade a se voltar para uma única e saudável direção, isto é, a do povo da Terra. É praticamente improvável que a Rússia venha a fazer parte de tal projeto humano – pelo menos no curto prazo. Enquanto os protagonistas dessa tragédia inominável – saudosistas de um passado igualmente tenebroso e repleto de morticínios e perseguições políticas - continuam a destilar todo o seu veneno, orgulho e prepotência contra os seus semelhantes (no momento, os ucranianos), o resto do mundo assiste perplexo o que uma nação conduzida por uma liderança maligna e perversa é capaz de realizar. Cumpre reconhecer que há no mundo outras figuras presentemente encarnadas, talvez tão maldosas quanto o líder russo. Seja como for, esse cenário de terra arrasada demonstra cabalmente a fragilidade das relações entre as nações no corrente século (há mais guerras em curso na atualidade). E nesse mesquinho jogo geopolítico o que menos interessa é Deus, o amor e a misericórdia.



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