Oásis aprazível em deserto escaldante - Rogério Coelho

Nossa responsabilidade no campo das sensações é maior do que imaginamos

“(...) Vós sois a carta de Cristo, escrita com o Espírito de Deus vivo”.  Paulo. (II cor., 3:3).

O homem dos dias atuais parece ter perdido o endereço de Deus e a noção de que “o Espírito é tudo e o corpo físico simples veste que apodrece”. Assim, preso dentro do círculo estreito das sensações, ainda muito perto dos instintos primários, tem os voos de Espiritualidade sufocados em função do imediatismo hedonista, vivendo em constante e irrefreável corrida para alcançar os ouropéis terrestres, como se estes fossem eternos e não transitórios, efêmeros...

Segundo Amélia Rodrigues[1]: "(...) Jesus compadecia-Se da ignorância humana, que centralizava nas aspirações do   imediato, no transitório, no insignificante, o foco de seus interesses. Na condição de Mestre, Ele veio despertar as mentes para as realidades mais transcendentes, portanto as que são legítimas, até então desconhecidas. Paciente, amava com ternura a multidão e concedia-lhes o tempo necessário para o amadurecimento   do raciocínio e captação de ideias do bem. Todo o Seu ministério transcorreu, pois, como lição de amor, ensejando, àqueles que O buscavam, a recuperação orgânica, sem dúvida, mas, também, o ensejo de identificar os objetivos relevantes, essenciais, que constituem o impositivo da vida na Terra, rumando para a Imortalidade”.

Atualmente, ratificando o Pegureiro Maior de nossas Almas, ensina Kardec[2]: “(...) O Espiritismo dilata o pensamento e rasga horizontes novos à humanidade:  Em vez dessa visão acanhada e mesquinha que a concentra na vida atual, que faz do instante que vive na Terra único eixo do porvir eterno, ele, o Espiritismo, mostra que esta vida não passa de um elo no harmonioso e magnífico conjunto da obra do Criador”. 

Aduz ainda o ínclito Mestre Lionês[3]:

“(...) O Espiritismo marcha ao lado do materialismo, no campo da matéria; admite tudo o que o segundo admite; mas, avança para além do ponto onde este último para. O Espiritismo e o materialismo são como dois viajantes que caminham juntos, partindo de um mesmo ponto; chegados a certa distância, diz um: «não posso ir mais longe». O outro prossegue e descobre um novo mundo”. E nesse “mundo novo” a que se refere o Mestre Lionês, o homem testemunha o fim da era dos instintos e das ambições materiais estreitas, e aprende - rapidamente - que ali impera o primado do Amor, da Fraternidade, do discernimento, da compreensão, da harmonia, da paz enfim...

Em sua acuidade intelectual, Herculano Pires explica[4]: “(...) a História nos mostra que a lei fundamental da consciência é o Amor, em torno da qual gravitam, como as partículas em torno ao núcleo do átomo, todas as demais leis da consciên­cia: a da existência de Deus e Sua providência, a da Justiça, a da Fraternidade universal dos homens, a da Razão, a da Ordem, a da Busca da Transcendência. Quando os homens violam essas leis, a Socie­dade perde a sua dignidade e o Estado se converte no Leviatã de Hobbes.  

Todas as Sociedades anticonscienciais trazem a marca infamante do fratricídio, da traição ao humano, do roubo, da miséria e da depravação em que a mulher é sempre a vítima sacrificada para aplacar a fome sensorial de Moloc.  O aviltamento da mulher pelas civilizações anticonscienciais é o aviltamento da humanidade em sua própria fonte genética. A negação do Amor pelo comércio do sexo, reduzindo a simples instrumento de prazer venal a fonte genésica, é a negação da própria dignidade humana. Por isso, o Cristo, ao livrar a mulher adúltera da lapidação infamante, limitou-Se a tocar a consciência dos lapidadores hipócritas. E por isso também engajou Madalena, a cortesã, em Seu grupo messiânico e a escolheu pa­ra vê-lO em primeiro lugar após a ressurreição. Ele mesmo justificou a razão dessas atitudes, que escandalizavam a hipocrisia da época, dizendo sim­plesmente que ela muito amara.  O amor dessa mulher a santificava e ao mesmo tempo condenava os seus acusadores. Bastaria isso para mostrar que o Amor não depende de regras e leis sociais.   (...) A tradição hebraica sobre Madalena não a apresenta como uma cortesã comum, ávida de prazeres e riqueza.  Sholem Asch, o último grande escritor judeu na língua iídiche, apresenta-a como uma mulher de bom gosto e rara beleza, dotada de espírito elevado e grande genero­sidade, especialmente atenciosa para com os pobres e sofredores. A maneira pela qual o Nazareno sempre a tratou parece confirmar essa imagem lisonjeira. Que enorme distância entre essa atitude de Jesus e os espíritos mesquinhos que tudo condenam em nome da moral convencional!

(...) Jesus anunciou a superação dos divisionismos religiosos à Mulher Samaritana, que tivera vários maridos e era uma enjeitada da Israel orgulhosa e ofereceu-lhe a água-viva da Sua doutrina.

(...) A repercussão dos desvarios humanos vai além dos limites do nosso mundo sensível.  Nossa responsabilidade no campo das sensações é muito maior do que podemos imaginar.   Nossos pensamentos, desejos e viciações contagiam não apenas os companheiros da exis­tência terrena, mas também os nossos vizinhos do mundo espiritual interligado à Terra.  Muitas cria­turas perturbadas por desequilíbrios sexuais não passam de espíritos fracos que se deixam influen­ciar por entidades grosseiras, as quais lhes trans­mitem sensações físicas, constatado nas pesquisas psíquicas do século passado e deste século.  Não se trata de uma questão de crença ou descrença, mas de fatos comprovados em pesquisas científicas, por cientistas eminentes e de todos os grandes centros universitários do mundo. As Religiões que conti­nuam encravadas no passado, alimentando o Diabo na ignorância popular, em nome de seus dogmas obsoletos, assumem grande responsabilidade por sua teimosia nesta hora de profunda renovação cultural.  O Amor não é mais o tema lírico dos poetas do absinto, nem o caminho do Céu coberto de flagelados e ciliciados — é a realidade gritante da carne e do espírito, sobre a qual podemos construir o Inferno das sensações destruidoras ou o mundo feliz do equilíbrio e da paz.

O Charco do Amor transbordou, com o au­mento numérico e potencial de seus afluentes de após guerra. A sensualidade sem freios dominou o mundo. Romperam-se as comportas da moral burguesa e a pornografia saiu do fundo lodoso dos açudes para emporcalhar o mundo através dos meios de comunicação de massa.   Ao mesmo tempo, os divulgadores da violência, os pregadores do ódio, da discriminação racial, da toxicomania, da libidinagem, do roubo, do suborno e da mentira conse­guiram enxovalhar moralmente o mundo, já fisi­camente poluído e envenenado pela ambição do dinheiro e do poder. Os homens se esqueceram da morte e não obstante morrem mais do que nunca, aos magotes, esmagados por suas próprias máqui­nas e maquinações tenebrosas.  Como a população aumenta violentamente, os que sobrevivem acham bem que os outros morram para aliviar a carga humana da Terra.  Essa é a nova forma de amar ao semelhante: desejar que morram de qualquer maneira para que tenhamos mais espaço num mundo apertado.  O Amor virou desejo e loucura, retornando ao marco-zero do egocentrismo calcula­do em bases estatísticas.  Os futurólogos, profetas profissionais armados de computadores eletrônicos, preveem prosperidade para os ricos e miséria maior para os pobres, que são o lixo incômodo do mundo.  Os anticoncepcionais e a cirurgia esterilizadora ga­rantem o gozo eterno e sem compromissos.  E enquanto isso as mentes desvairam no aumento ameaçador dos distúrbios psiconeuróticos. 

Enquan­to ferve o caldeirão da loucura, as grandes potên­cias, ciosas de seus segredos e de seu poderio, prepa­ram em silêncio a liquidação atômica do planeta.  Adianta pregar o Amor a esse mundo enlou­quecido?! Se não adianta pregar, pois as pregações estão demasiadamente desmoralizadas, adiantará pelo menos exemplificá-lo.  Se pudermos agir com amor na maioria das nossas atividades, pensar com amor e falar com amor, estaremos contribuindo pa­ra deter a enchente do charco. Um gesto, um pen­samento, uma palavra são partículas atômicas da ação. Mas se essas partículas estiverem carregadas como o pósitron de antimatéria, terão uma força explosiva capaz de abalar o mundo.

Estabeleçamos a nossa afinidade com a vida, o mundo, os homens... Basta-nos encará-los com boa vontade.  O resto corre por conta da nossa própria natureza.  Porque somos amor e se quisermos dar um pouco de nós mesmos aos outros seremos uma pequena fonte de amor.   Pequena, mas perene. Pensemos na alegria do viajante exausto que de repente encontra, no deserto escaldante, um pequenino oásis em que borbulha uma fonte de água pura e fresca”.

 


[1] - FRANCO, Divaldo. Trigo de Deus. Salvador: LEAL, 1993, cap. 14.

[2] - KARDEC, Allan. O Evangelho Seg. o Espiritismo. 125.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2006, cap. II, item 7.

[3] - KARDEC, Allan. A Gênese. 43.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2003, cap. X, item, 30, § 2º. p. 204.

[4] - PIRES, J. Herculano. Pesquisa sobre o amor. 2.ed. S. Paulo: PAIDEIA, 1998, cap. III, p. 40-47.



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