O envolvimento dos jovens na casa espírita
Pai de seis filhos, Walteno Silva mora há 12 anos em São Paulo, onde participa como secretário geral da USE Estadual. Mas o seu vínculo com o espiritismo e com a juventude espírita teve início no Rio de Janeiro, onde nasceu. Desde então, ele manteve os laços com as mocidades espíritas, através das confraternizações realizadas no Estado, e também com as atividades de evangelização. Infância e juventude espírita é tema que palpita na vida em família de Walteno Silva, incluindo todos os desafios da atualidade. É o que ele nos conta nesta entrevista.
Como você analisa a participação dos jovens no espiritismo?
Os jovens são cativantes. Quando vemos a inteligência da argumentação deles, o sentimento de amorosidade que eles oferecem, é algo que mexe com nossos sentimentos mais profundos, dando-nos esperança de que o mundo vai mudar.
Entretanto, nós temos percebido que existe um distanciamento do jovem da casa espírita. Os hábitos sociais mudaram muito nos últimos anos. Alguma coisa na concentração mental e no interesse das pessoas pelas leituras e pelos estudos modificou substancialmente. Com isso, as casas espíritas enfrentam muita dificuldade em estabelecer grupos de jovens para o estudo da doutrina espírita.
Acha que eles são desinteressados pela religiosidade?
Considerando o plano divino para a regeneração da Terra, considerando os milhares de espíritos pertencentes à nova geração que reencarnam todos os anos, entendemos que temos muitos jovens interessados pela religiosidade; do contrário, onde estariam os ciclos de transformação que são previstos no livro A gênese de Allan Kardec?
O que acontece é que essa nova geração precisa ser despertada para os objetivos superiores de suas vidas. E se não temos uma estrutura que os receba e os relembre desses compromissos, podem seguir a rota da ilusão da matéria que a experiência da carne oferece naturalmente. E seguindo essa rota, podem, sim, ser contaminados pelas filosofias materialistas, em especial nos bancos escolares e nas universidades, instituições que permanecem ainda hoje com uma influência fortíssima dos pensamentos de dúvida e de negação de Deus.
A que você atribui a prevalência de pessoas com mais idade nas casas espíritas? Compreender o espiritismo pode ser uma questão de maturidade?
No meu entendimento, o primeiro fator seria a falta de um processo inclusivo para as novas gerações. É como um lapso de atenção dos dirigentes e trabalhadores das instituições para com elas, e eu me incluo nessa falta. Sem julgamento a quem quer que seja, e com muita consideração pelos que se dedicam e trabalham muito para oferecer um núcleo de oração na comunidade onde residem. Mas essa nossa desatenção pode nos custar a continuidade da obra a que nos dedicamos com tanto carinho. Podemos ver os centros envelhecerem e morrerem pelo problema da sucessão.
Um segundo fator seria a falta de uma abordagem dinâmica no estudo da doutrina, não especificamente na forma divertida ou animada de se trabalhar com jovens, mas nas propostas que desafiem a inteligência e provoquem o interesse deles pelos dilemas atuais que o espiritismo pode solucionar.
É comum ouvir que os dirigentes espíritas não acreditam no trabalho dos mais novos, delegando a eles tarefas simples, que não comprometam o andamento da casa. O que você acha disso?
É comum não cuidarmos do jovem com a atenção que deveríamos. Não é apenas uma questão de delegar tarefas mais complexas, mas, antes de tudo, estar ao lado dele mostrando como se faz, observando o seu desenvolvimento e apoiando-o a superar cada novo desafio.
Somos a favor de preparar os jovens para assumirem um papel ativo dentro do movimento espírita. Mas para fazer isso temos que ter tempo nosso disponível para mostrar os primeiros passos e caminhar junto. Às vezes, é mais conveniente para o adulto entregar a chave do centro e dizer que ele agora é o protagonista. Mas será que os trabalhos espirituais devem ser tratados dessa forma?
E o resultado disso é um isolamento maior ainda, pois então são criados núcleos de mocidades totalmente apartados do centro espírita, com uma cultura muito particular que depois torna-se inviável uma tentativa de harmonização com outras áreas do centro.
Quais os maiores benefícios que o espiritismo pode proporcionar à juventude?
O primeiro é trazê-los para a vida verdadeira. Já pudemos ouvir de alguns jovens como foi importante conhecer o espiritismo da maneira profunda e espiritualizada como havíamos estudado. É como um renascer na mesma vida. Tudo muda, todas as aspirações da vida mudam de foco. E considerando o clima de ansiedade e se espalha em toda parte, entendemos que um dos grandes benefícios que o espiritismo pode trazer para os jovens é uma segurança íntima e fé tão robusta, que lhes permita facear as provações da vida com mais serenidade e paz no coração.
Seria algum fator de negligência nossa na formação dessas crianças e jovens dentro do lar espírita?
Entendo que num futuro nós teremos muito mais habilidade em conduzir os nossos filhos para o espiritismo. É algo intrigante ver que muitos trabalhadores dedicados não tiveram a alegria de ver seus filhos acompanharem os mesmos passos. Não é uma tarefa simples. É verdade que nem todos os espíritos que recebemos no lar terão afinidade pelos temas de espiritualidade. Mas será que não existem mecanismos educativos que ajudariam nesse mister?
Levando em consideração sua experiência no contato com os jovens espíritas, já chegou a alguma conclusão sobre o que pode ser feito, no sentido de reverter esse quadro?
De tudo que fizemos nesse campo de trabalho com a juventude, o que trazemos na bagagem de mais relevante é a necessidade de trabalharmos o despertamento. É claro que ninguém conscientiza ninguém, as próprias pessoas que se descobrem e que se despertam. Mas nós podemos trazer bons estímulos. É como acender uma brasa que está lá no coração de cada um. Dentro da programação dos nossos estudos, havia sempre uma priorização em reflexões sobre os objetivos superiores da nossa existência e os compromissos assumidos ainda no plano espiritual. Em resumo, os estudos espíritas tendo como pano de fundo muitos estímulos para o autoconhecimento e a transformação moral, além de relembrar esse preparo que tivemos no plano espiritual para a nossa vida atual. Não esquecendo, obviamente, de adaptar os estudos com uma linguagem adequada e uma abordagem dinâmica, de forma a tirar os jovens de uma posição passiva, chamando-os para interagir, discutir e dar sua contribuição, que é sempre muito valiosa.
Você está envolvido com projetos que mobilizam jovens, como o “Mocidade itinerante” e o “Revista Espírita ilustrada”. Que trabalhos são esses?
Na verdade, faço parte de equipes específicas para cada um desses projetos, e tenho a felicidade de realizar tudo isso em companhia da minha esposa, Mônica, com quem temos compartilhado todas essas experiências com a juventude.
O primeiro projeto da “Revista Espírita ilustrada”, é publicado na revista Dirigente Espírita, da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo. Foi interessante descobrir talentos valiosos nos jovens que formaram essa equipe. Uns fazem os desenhos e ilustrações e outros preparam e adaptam histórias de espíritos, selecionadas da Revista Espírita, para o público infantojuvenil. O resultado superou nossas expectativas, tendo em vista ser uma iniciativa nova para todos nós e pelo fato de contarmos com a mão de obra bem jovem.
O segundo projeto, “Mocidade itinerante”, está em fase de preparação. É uma iniciativa da USE Regional do Grande ABC, onde a Mônica está como presidente, e tem a finalidade de fomentar a criação de novos grupos de mocidades em casas que ainda não a possuem. Estamos convocando jovens, filhos de trabalhadores, ou conhecidos dos centros espíritas da região do Grande ABC, para através de encontros de capacitação se prepararem para serem os multiplicadores. É como criar um canteiro de mudas para plantar depois.
Tivemos contato com casas em São Bernardo do Campo, SP, que dez anos atrás se ressentiam pelo fato de não terem um grupo de jovens, realidade que ainda não mudou. Quem sabe essa não é uma nova forma de conceber uma mocidade espírita?
Como estão esses movimentos com jovens espíritas fora do Brasil?
Em 2021, fomos convidados a participar da coordenação de um trabalho chamado Juventude Espírita Internacional Sembradores de Luz e deu para ter uma noção. É um projeto com uma proposta superinteressante, que possibilita o compartilhamento de experiências e aprendizados entre jovens espíritas de diferentes países e consequentemente de vários idiomas. Utilizando tecnologia bem apropriada, conseguimos realizar encontros com tradução simultânea em espanhol, português, inglês e francês. O que nos chamou muito a atenção é o nível de profundidade das reflexões desses jovens. Vemos nesse tipo de iniciativa o início de um movimento que deve se espalhar com muita energia. Participar dele é como encher a alma de esperança na proposta do espiritismo para a transformação da Terra num mundo melhor.
Como os espíritas devem se preparar para receber essa nova geração, com suas peculiaridades e demandas? Qual seria a prioridade?
Precisamos entender mais o mundo jovem, entender suas necessidades, seus conflitos. Estudar essa fase juvenil, os desafios psicológicos dessa faixa etária. Estudar como eles constroem a sua identidade, quais os movimentos sociais que estão fazendo convites para eles. Devemos nos preparar mesmo. Apoiá-los com muito respeito e sem autoritarismo, observá-los com um olhar e uma escuta sensíveis.
A prioridade é o acolhimento do jovem. O grupo espírita deveria ser um porto seguro para ele, onde seus anseios e medos podem ter uma solução. E mostrar que com o auxílio do espiritismo ele terá mais liberdade e discernimento para fazer suas escolhas na vida.
Nota da redação: A presente entrevista ora publicada, foi extraída do website Correio Fraterno, originariamente publicado em 30 de maio de 2022. Confira aqui.
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