O caminho da simplicidade - Rogério Coelho
Não podemos desconsiderar a importância de que se revestem em nossas vidas a humildade e a simplicidade que se fizeram presentes na singela manjedoura
“Que cada um proceda pouco a pouco à demolição dos altares que todos ergueram ao orgulho.” - Lacordaire[1]
“Os desentendimentos faziam-se constantes; amigos ameaçavam abandonar as tarefas; lutas internas eram sufocadas a custo; diálogos ásperos; ciumeira injustificável; melindres aos montes...”
A frase acima, extratada de uma página de Hilário Silva, psicografada pelo médium Carlos A. Baccelli, e inserta no livro: “Irmãos do caminho”, capítulo catorze, retrata fielmente o lamentável status quo de algumas Casas Espíritas da atualidade!!
Na sequência da página mencionada, o Mentor Amigo continua contando que em um determinado Centro Espírita que experimentava grandes crescimentos nas tarefas e na qual o Amor havia batido em retirada, multiplicando-se, em consequência, os despautérios, um Benfeitor Espiritual, controlando as faculdades psicofônicas de uma das médiuns do grupo declarou: “meus irmãos, os amigos desencarnados que nos encontramos em serviço na instituição, sentimo-nos no dever de trazer-lhes o nosso humilde parecer acerca da questão em pauta...”
Pegos de surpresa, os confrades encarnados como que aguçaram os ouvidos na expectativa de uma bombástica revelação. O Espírito Amigo, então, arrematou: “o problema, meus irmãos, não é o crescimento da nossa instituição em si nas múltiplas tarefas que foram criadas... A causa dos problemas que enfrentamos em nosso relacionamento uns com os outros é que nós não conseguimos nos manter pequeninos diante da inevitável expansão de nossas atividades, em nome do Cristo!...”
Em 1862, já antevendo os dias atuais, declarou Adolfo, bispo de Argel: “(...) generaliza-se o mal-estar... A quem inculpar, senão a vós que incessantemente procurais esmagar-vos uns aos outros? Não podeis ser felizes, sem mútua benevolência; mas, como pode a benevolência coexistir com o orgulho? O orgulho, eis a fonte de todos os vossos males. Aplicai-vos, portanto, em destruí-lo, se não lhe quiserdes perpetuar as funestas consequências. Um único meio se vos oferece para isso, mas infalível: tomardes para regra invariável do vosso proceder a lei do Cristo, lei que tendes repelido ou falseado”.
Esclarece Lacordaire que a humildade, esse eficiente e singular antídoto do orgulho, é virtude muito esquecida entre nós, concluindo1: “(...) todos vós que dos homens sofreis injustiças, sede indulgentes para as faltas dos vossos irmãos, ponderando que também vós não vos achais isentos de culpas; é isso caridade, mas é igualmente humildade.
(...) Se permanecerdes insensíveis à voz dos Espíritos enviados para depurar e renovar a vossa sociedade civilizada, rica de ciências, mas, tão pobre de bons sentimentos, então não vos restará senão chorar e gemer pela vossa sina”.
O mais triste e danoso é que quem se deixa embalar nas redes do orgulho, do personalismo, da presunção e da vaidade, nem sequer desconfia disso. É muito sutil o processo utilizado pelos obsessores, para imobilizar o trabalhador espírita, mas é muito eficiente! (É bom dar uma conferida na questão 459 de “O Livro dos Espíritos”).
Complementando o pensamento de Hilário Silva, aduz Irmão José, no capítulo dezessete da obra citada: “(...) Quantos se afastam do caminho da simplicidade, sem saberem depois como regressar às origens!... Quantos enveredam por complexos atalhos da vida, supondo seguir por estradas de ouro que acabarão por conduzi-los aos vales do desencanto!...
Não são poucos os espíritos que voluntariamente se complicam, distanciando-se da alegria das coisas simples, onde a verdadeira sabedoria transcende as teorias dos cérebros que se ensandecem à procura da verdade. Jesus, o maior sábio que já transitou entre os homens, trajava-Se com singela túnica, calçava humildes sandálias, alimentava-Se frugalmente, não tinha uma pedra onde reclinar a cabeça e ensinava a Boa Nova às margens de um lago, rodeado de crianças, homens e mulheres de vida simples...
Quantos sobem, vertiginosamente, perdendo o próprio rumo nas alturas, sem condições de descerem para o encontro consigo mesmos?!...
Nicodemos, doutor em Israel, foi ternamente advertido pelo Mestre por ignorar a Lei da Reencarnação, revelando a sua ingenuidade das coisas divinas ao indagar do Senhor de que maneira um homem, sendo velho, poderia tornar-se criança e voltar ao ventre de sua mãe... Quantos não conseguem entregarem-se aos exercícios espirituais mais simples da vida, quais sejam: o hábito da oração cotidiana, a contemplação da Natureza, a partilha do pão com os famintos, o gesto de carinho para com as crianças, a visita rápida ao enfermo, o sorriso de fraternidade aos companheiros, o cultivo de uma flor... Entretanto, parece ser da lei que o homem se complique, perdendo-se nos escuros labirintos de sua vaidade e de seu personalismo, para, depois, retomar o caminho da simplicidade em que se despojará do peso das aflições desnecessárias!
Sabedores disto, porém, procuremos, simplificar ao máximo a nossa vida, limitando as nossas exigências ao que nos seja absolutamente imprescindível vez que o homem nada trará consigo para o além-túmulo, a não ser as conquistas intelecto-morais que houver efetuado na escola da Terra, visto que a vida espírita, para quantos se dispõem a vivenciar o Evangelho, é a retomada do caminho da simplicidade do qual, em sucessivas existências, nos apartamos. Esqueçamos os aplausos com que a glória efêmera do mundo nos incensa e, recolhidos à nossa própria pequenez diante da grandeza da vida, à semelhança dos pastores primitivos, cajado às mãos e pés descalços, trilhemos o caminho da simplicidade no retorno à Casa Paterna!”
O caminho da evolução não é fácil de ser trilhado, pois às nossas próprias limitações somam-se os percalços provocados também por nossos companheiros da atual vilegiatura carnal. Com raciocínio lúcido e proteção espiritual, haveremos de superar todos esses obstáculos internos e externos, compreendendo, com Albino Teixeira[2] que “esses companheiros da Terra: que nos desfiguram as melhores intenções; que nos falham à confiança; que nos criam problemas; que nos abandonam nas horas difíceis; que nos induzem à tentação; que nos impõem prejuízos; que nos criticam os gestos; que nos desencorajam as esperanças; que nos estimulam à cólera; que nos dificultam o trabalho; que nos agravam os obstáculos; que nos perseguem e injuriam; são geralmente os examinadores utilizados pela Espiritualidade Maior – através do mecanismo das provas – a fim de saber como vamos seguindo na obra libertadora da própria desobsessão. Junto deles, acalme-se, observe, aproveite, agradeça e abençoe”.
Afirma Eurípedes Barsanulfo (Espírito): “(...) no coração governado pelo amor de Jesus, não há lugar para a dignidade ferida, porque a dignidade do discípulo do Evangelho brilha, acima de tudo, no perdão incondicional das ofensas e no serviço incessante à extensão do Bem”.
Assim, após nos inteirarmos de tão importantes conceitos e pontos de vista de nossos Irmãos Maiores da Espiritualidade, não podemos desconsiderar a importância de que se revestem em nossas vidas a humildade e a simplicidade que se fizeram presentes na singela manjedoura, berço d`Aquele a Quem nos propomos servir. Também não podemos perder de vista que – hodiernamente – a convivência em tão adversas condições, constitui o nosso desafiador, porém necessário e inevitável “gólgota” emancipador que nos abrirá os Portais do Infinito de ventura e plenitude, porque já teremos compreendido que entre Deus e nós a “ponte” é o próximo.
O Dr. Bezerra de Menezes[3] faz votos de que “a prece se nos faça luz no caminho, a fim de que saibamos encontrar, cada dia, o rumo certo e nele permanecer, buscando sempre os desígnios do Senhor, acima dos nossos”.
[1] - KARDEC, Allan. O Evangelho Seg. o Espiritismo. 125.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2006, cap. VII, item 11.
[2] - XAVIER, F. Cândido. Paz e renovação. 13. ed. Araras: IDE, 2007, cap. 4, p. 23-24.
[3] - XAVIER, F. Cândido Bezerra, Chico e você. S. Bernardo do Campo: GEEM, 1973, p. 35.
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