Mediunidade sem jaça - Rogério Coelho
Mais significativo do que ser intérprete da palavra dos desencarnados é ser médium na exemplificação das virtudes que todos somos chamados a conquistar
“O melhor médium é aquele que, simpatizando somente com os bons Espíritos, tem sido o menos enganado”. Erasto[1]
Conforme aprendemos com o estudo da Codificação Espírita[2], a faculdade mediúnica propriamente dita se radica no organismo e, consequentemente, independe da moral do medianeiro. Isso no que se refere, por assim dizer, ao seu aspecto puramente mecânico, funcional... Sem embargo, o mesmo não se pode dizer quanto à sua utilidade, ao seu emprego, aos seus desdobramentos, vez que o médium íntegro, equilibrado, moralizado, atrai os bons Espíritos e afasta os Espíritos imperfeitos, portanto a confiabilidade do que produz é indiscutível.
Não falece dúvida que um médium imperfeito pode, ocasionalmente, obter boas coisas, mas isso só acontece circunstancialmente, porquanto, desde que os Espíritos encontrem um medianeiro cuja mediunidade esteja mais bem cultivada, dão, evidentemente, preferência a este.
Erasto aborda maravilhosamente bem este tema no capítulo XX, 2ª parte do mais extraordinário “vade mecum” da mediunidade que existe, ou seja: “O Livro dos Médiuns”. Entre outras coisas, ele afirma: “(...) querer o bem; repulsar o egoísmo e o orgulho, tais as condições necessárias para que a palavra dos Espíritos superiores nos chegue isenta de qualquer alteração. Expurguem-se, pois, os que desejem esclarecer-se, de toda vaidade humana e humilhem a sua inteligência ante o infinito poder do Criador”.
Nesse passo, ensina ainda Erasto[3]: “(...) se o médium, do ponto de vista da execução, não passa de um instrumento, exerce, todavia, influência muito grande, sob o aspecto moral; pois que, para se comunicar, o Espírito desencarnado se identifica com o Espírito do médium. Tal identificação não se pode verificar, senão havendo, entre um e outro, simpatia e, se assim é lícito dizer, afinidade.
A alma exerce sobre o Espírito livre uma espécie de atração, ou de repulsão, conforme o grau da semelhança existente entre eles. Ora, os bons têm afinidade com os bons e os maus com os maus, donde se segue que as qualidades morais do médium exercem influência capital sobre a natureza dos Espíritos que por ele se comunicam. Se o médium é vicioso, em torno dele se vêm grupar os Espíritos inferiores, sempre prontos a tomar o lugar aos bons Espíritos evocados.
As qualidades que, de preferência, atraem os bons Espíritos são: a bondade, a benevolência, a simplicidade do coração, o amor do próximo, o desprendimento das coisas materiais. Os defeitos que os afastam são: o orgulho, o egoísmo, a inveja, o ciúme, o ódio, a cupidez, a sensualidade e todas as paixões que escravizam o homem à matéria.
Todas as imperfeições morais são outras tantas portas abertas ao acesso dos maus Espíritos. A que, porém, eles exploram com mais habilidade é o orgulho, porque é a que a criatura menos confessa a si mesma. O orgulho tem perdido muitos médiuns dotados das mais belas faculdades e que, se não fora essa imperfeição, teriam podido tornar-se instrumentos notáveis e muito úteis, ao passo que, presas de Espíritos mentirosos, suas faculdades, depois de se haverem pervertido, aniquilaram-se e mais de um se viu humilhado por amaríssimas decepções”.
Certa feita, o nobre Paulo de Tarso, escrevendo ao jovem Timóteo, recomendou[4]: “torna-te padrão dos fiéis, na palavra, no procedimento, no amor, na fé, na pureza”. Tal recomendação ainda está plena de atualidade e amolda-se perfeitamente aos médiuns de hoje que desejam trabalhar eficientemente na mediunidade espírita com Jesus. Por isso, concordamos em gênero, grau e número com o Mentor Odilon Fernandes, quando afirma[5]: “(...) a faculdade mediúnica não deve ser posta em plano secundário na lista das prioridades do Espírito encarnado, mas infelizmente, devido ao seu “status” social ou aos seus negócios lucrativos, muitos medianeiros chegam, inclusive, a esconder a sua condição de sensitivos; porque o exercício da mediunidade lhes solicitaria certa renúncia e disciplina; fogem ao testemunho da fé, ignorando os pesados compromissos cármicos assumidos para o futuro...
Timóteo, tal como João Evangelista, era um dos mais jovens discípulos do Senhor e, no seu tempo, os jovens não possuíam credibilidade espiritual suficiente junto aos que exibiam no corpo as muitas marcas de sua coragem e de seu desprendimento no apostolado cristão. Paulo convida o jovem amigo a provar, através de sua conduta e idealismo, de sua boa-vontade e amor à Causa, que quantos lhe negavam credibilidade estavam equivocados a seu respeito, porque, nele, as frivolidades e ilusões da pouca idade não lhe desvirtuavam o caráter.
Em que pesem as suas lutas íntimas, o médium espírita, seja qual for a época em que se apresente para o serviço do Senhor, deve esmerar-se para tornar-se “padrão dos fiéis, na palavra, no procedimento, no amor, na fé, na pureza.”
Quando se converteu ao Cristianismo, Paulo de Tarso necessitou externar a sua nova condição de vida nas muitas privações que se impôs, aos companheiros de ideal que, num primeiro momento, duvidavam da sinceridade de seus propósitos.
Interessante ainda constatarmos, em nossos estudos, que a chamada técnica mediúnica, envolvendo os meandros da sintonia mental, em nenhum instante preocupa o grande missivista que, em suas exortações às Comunidades Cristãs, enfatiza a importância da Moral Evangélica.
Paulo ensinava mediunidade, nos contatos que ele e muitos irmãos mantinham com o Mundo Espiritual, demonstrando que, em essência, a desejada sintonia com os Espíritos Superiores está mais relacionada com o sentimento do que com o intelecto. Os Espíritos de ordem elevada preferem trabalhar com a emoção do medianeiro, porquanto a emoção identifica a natureza do homem mais do que os seus próprios pensamentos, os quais, por vezes, não passam de uma roupagem externa de sua personalidade.
Mais significativo, pois, do que ser intérprete da palavra dos desencarnados é ser médium na exemplificação das virtudes que todos somos chamados a conquistar”.
[1] - KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 71.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2003, 2ª parte, cap. XX, item 226, § 9.
[2] - KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 71.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2003, 2ª parte, cap. XX.
[3] - KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 71.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2003, 2ª parte, cap. XX, itens 227 e 228.
[4] - 1 Timóteo, 4:12
[5] - BACCELLI, C.A. No mundo da mediunidade. 2.ed. Uberaba: LEEPP, 2002.
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