John Wycliffe, o teólogo condenado à morte pelo crime de traduzir a Bíblia

No dia 3 de abril deste ano, uma reportagem publicada pela BBC focalizou uma história que deve constranger muito hoje em dia as autoridades da Igreja Católica.

Referimo-nos à condenação do filósofo e teólogo John Wycliffe, no início do século 15, ocorrida quando o réu se encontrava morto havia 30 anos. Seu crime: a tradução da Bíblia do latim para o idioma inglês, algo que era proibido pela Igreja.

Mas o absurdo maior – além da condenação em si – ocorreria dez anos após a sentença, quando o que restava do seu corpo foi retirado do túmulo e levado à fogueira, sendo as cinzas jogadas no rio Swift, no centro da Inglaterra.

A tradução que motivou a condenação, conhecida hoje como a Bíblia de Wycliffe, foi somente uma das muitas questões que o filósofo apresentou contra as ideias e as ações empreendidas pela Igreja Católica, fato que inspirou um movimento de dissidência considerado herético e constituiu as bases da reforma protestante, que ocorreu mais de um século após sua morte.

O argumento de Wycliffe era que "a Igreja que existia no final do século 14 não era um reflexo preciso da Igreja que poderia ser rastreada na Bíblia, nos Evangelhos, nas Epístolas e nos Atos", explicou Anne Hudson, professora emérita de inglês medieval na Universidade de Oxford, no Reino Unido, em um programa da BBC sobre o teólogo.

De acordo com Anne Hudson, Wycliffe não era um fundamentalista; pelo contrário. Seu pensamento foi elaborado a partir da discrepância que existia entre a riqueza material da Igreja em relação à realidade social da época.

No mesmo programa, o filósofo Anthony Kenny, do Balliol College da Universidade de Oxford, disse que as primeiras obras e ensinamentos filosóficos de Wycliffe nada tinham de heterodoxo ou herético — embora já houvesse nessa linha de raciocínio uma tendência que estava começando a definir esse caminho futuro. "Ele era extraordinariamente realista", descreveu Kenny. "E ele tirou conclusões políticas desse realismo."

De família tradicional radicada na região de Yorkshire, Inglaterra, João Wycliffe nasceu em 1328 e faleceu em 31 de dezembro de 1384.

Ao cursar a Universidade de Oxford, seu foco foram os estudos de teologia, filosofia e legislação canônica. Por volta de 1365 tornou-se bacharel em teologia e, em 1372, doutor em teologia.

Tornou-se sacerdote e depois serviu como professor no Balliol College, ainda em Oxford.

Wycliffe era conhecido como um 'padre pobre' por seu interesse pelos mais necessitados, embora durante a vida também tenha sido próximo da nobreza.

Ele começou a refletir mais sobre os desvios da Igreja e a escrever sobre isso numa época em que não apenas a Igreja passou a ser questionada, mas também a sociedade como um todo era debatida.

Não fazia sentido para Wycliffe que o reino e a nobreza da Inglaterra tivessem que responder e sustentar financeiramente uma autoridade localizada em território inimigo.

Entre suas discordâncias com o clero católico, chegou até a questionar a doutrina da transubstanciação — a capacidade de transformar o pão e o vinho no corpo e no sangue de Cristo —, que era e ainda é parte fundamental das práticas católicas. Wycliffe não negou a presença de Cristo, mas questionou a necessidade do sacramento.

Um aspecto importante das teorias de Wycliffe é que ele as escrevia em inglês, para que fossem acessíveis e mais pessoas pudessem debatê-las. Essa, aliás, foi a razão pela qual ele insistiu em traduzir a Bíblia.

Seu propósito era reforçar a importância do texto sagrado como autoridade máxima para os cristãos. Contudo, embora a tradução da Bíblia para o idioma inglês, tenha sido atribuída a ele, seu nome não aparece no texto, do qual muitas cópias foram produzidas e distribuídas muito tempo depois da morte de Wycliffe, por um exército de seguidores de suas doutrinas, que formaram um movimento conhecido como "Lollars".

As doutrinas de Wycliffe inspiraram de tal maneira outros grandes teólogos — como o filósofo e teólogo tcheco Jan Hus e futuros reformadores — que o filósofo é considerado a "Estrela da Manhã", como um dos precursores da reforma protestante.

A Igreja, como era de esperar, reagiu e decidiu atacar todos que questionavam a autoridade das lideranças católicas.

Uma de suas vítimas foi Jan Hus, condenado à morte por seguir as doutrinas de Wycliffe e imediatamente executado, enquanto Wycliffe foi considerado culpado de heresia.

Embora tenha demorado até 1428 para que a sentença contra Wycliffe fosse executada, os restos mortais dele foram exumados, queimados e jogados num rio.


Nota do Autor:

Clique aqui: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c88455z0725o



Comentário

0 Comentários