Eunice Sousa Gabi Weaver
Eunice Sousa Gabi Weaver nasceu numa fazenda de café, na cidade de São Manoel, no interior de São Paulo, em 19/09/1902, filha de Henrique Gabbi, natural da província de Reggio Emilia, Itália, e de Leopoldina Gabbi, natural de Piracicaba-SP. Era portadora de beleza particular e impressionava pela altivez sem imposição, pela decisão sem arrogância e pela simplicidade repassada de nobreza, herança que herdara de sua mãe, de origem suíça.
Ela foi estudar em São Paulo e durante as férias na fazenda de seus pais ocorreu o seguinte fato. No começo do século XX, graças ao café, São Paulo era um estado próspero. No terreiro da fazenda, vagaroso como numa procissão, vem entrando um bando em farrapos, os rostos ocultos. São mendigos, doentes, associados na miséria, no abandono da vida, que apanham agasalhos e alimentos deixados na porteira. As crianças da Casa Grande são levadas para dentro, às pressas, portas fechadas, cortinas corridas. Uma das meninas se esconde. Súbito, uma mulher abandona o grupo e aproxima-se. Há nela um vago ar aristocrático, restos de nobreza, voz serena, escondida na sombra do grande chapéu de palha em que não se vê o rosto: "Sou Rosa! Mesmo que não se lembrem de mim, quero agradecer. Meus pais dizem que me suicidei; é melhor assim, seria segregada; joguei minha roupa no rio, pensaram que me afoguei. Casei-me com aquele homem. Nessa vida de cigano é melhor ser um só". Era Rosa Fernandes, que fora uma linda jovem, filha de vizinhos, que se tornou cobiçada donzela e que a todos encantava, mas que havia, fazia algum tempo, desaparecido. Essa moça tinha contraído lepra nos tempos de colégio.
Nunca mais Eunice Weaver esqueceria os "Olhos de Rosa", e a partir deste episódio começava seu trabalho como a Grande Servidora do Bem em benefício dos nossos irmãos hansenianos. Ela talvez não tenha feito nada por Rosa Fernandes, mas o fez por muitas "Rosas" que desabrochavam dos seios de hansenianos e que, devido à enfermidade, não podiam permanecer com eles.
Em 1927, ela reencontrou Charles Anderson Weaver, que havia sido seu professor de latim. Ele dirigia o Colégio Granbery, havia enviuvado e tratava da edição de um livro seu em São Paulo. Eunice ficou fascinada por sua cultura, inteligência, bondade e brilhantismo de ideias. Quando se casaram foram morar em Juiz de Fora-MG, onde lecionou História e Geografia. Sua união foi mais que um simples matrimônio, mas um encontro de almas mutuamente dedicadas, que se reuniram para um sublime ministério de amor e solidariedade humana.
Algum tempo depois, Dr. Weaver foi convidado pela Universidade de Nova York para dirigir uma Universidade flutuante, a bordo de um luxuoso transatlântico. Aceitando o convite, partiu do Rio de Janeiro, acompanhado pela esposa. Eunice aproveitou a oportunidade para estudar jornalismo, sociologia e filosofia oriental e pôde visitar 42 países. Como repórter, trabalhou durante a viagem, viveu um dia inteiro num templo budista, foi até o Himalaia de jumento e entrevistou durante quatro horas Mahatma Gandhi, um dos momentos mais emocionantes de sua vida. Dele, ela disse: "Foi o homem mais próximo de Jesus Cristo que conheci".
Por onde andaram, ela procurou conhecer de perto o problema da lepra, o que em relação a ela se havia feito e o que restava por fazer. Estagiou em numerosos leprosários. Em todo lugar recolhia material de experiência para o ministério redentor. De volta ao Brasil, em Juiz de Fora, começou a fazer a campanha de assistência aos leprosos. Foi fundadora da Sociedade de Assistência aos Lázaros, pois em Minas Gerais, naquela época, o problema da lepra era terrível: o trem passava de madrugada, o vagão de segunda classe cheio de doentes encaminhados ao único leprosário de Belo Horizonte, o Santa Isabel. A recomendação era sempre a mesma: "Dona Eunice, tome conta de nossos filhos, não os deixe passar fome, não permita que fiquem doentes com esta terrível moléstia". Aquilo ficava em seus ouvidos. Sabia que a lepra não era hereditária, e a primeira campanha foi organizar preventório, mais tarde, transformado em educandário, fazendo-as participar da comunidade em condições normais.
Em 1935, com muita coragem, conseguiu convencer o presidente Getúlio Vargas a ajudar oficialmente a obra, e ele lhe prometeu dar o dobro do que ela conseguisse junto à sociedade civil. Naqueles tempos a classe política se esquivava do assunto, porque acreditava que a causa da lepra não daria frutos políticos. Depois desse acordo, Eunice passou a viajar por todo o Brasil lançando a campanha da Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra. Uma das passagens mais interessantes durante as construções dos Educandários se deu no Amazonas. Eunice estava no canteiro de obras da futura instituição que iria abrigar os filhos dos hansenianos daquela região quando, de repente, um bando de jagunços aparece e tenta impedir a obra, com a alegação que não queriam um leprosário no local, pois na região não existia lepra. Eunice, então, sugeriu ao líder dos jagunços que subissem juntos o rio onde, em poucas horas, ela lhe mostraria algum leproso; caso contrário, não construiria o Educandário. Nesse instante, pegaram um barco e subiram o rio. Após várias horas percorrendo o referido rio nenhum leproso foi encontrado. Os jagunços, com sua costumeira arrogância e cheios de si por terem conseguido impedir a construção do leprosário, resolveram dar a questão por encerrada. Entretanto, num determinado momento, Eunice viu uma choupana e disse: "Pare, aqui tem lepra!" Ao descerem do barco concluíram que dentro da choupana havia mais de trinta leprosos. O líder dos jagunços, atônito com o fato ocorrido, abandonou as suas funções de jagunço e passou a ajudar na construção do Educandário. Surgia naquele momento o primeiro coordenador do Educandário de Manaus.
Eunice Weaver foi a primeira mulher a receber, no Brasil, a Ordem Nacional do Mérito, no grau de Comendador, em novembro de 1950, e também o troféu internacional "Damien-Dutton" (pela primeira vez outorgado a uma pessoa da América do Sul). Representou o nosso país em inúmeros congressos mundiais sobre a doença, organizou serviços contra a lepra no Paraguai, Cuba, México, Guatemala, Costa Rica e Venezuela.
Em 1960, Eunice Weaver recebeu o título de Cidadã Carioca ao completar 25 anos na direção da Federação. Em outubro de 1967, foi para a ONU como delegada brasileira no 12º Congresso Mundial. Sofreu, entretanto, incompreensões e experimentou amarguras sem fim. Corajosa e arrebatada, possuía elevado caráter, que lhe permitiu manter-se lutando tenazmente em defesa dos seus "filhos", enfrentando dificuldades compreensíveis e situações complexas, sem nunca lhe faltar o auxílio da misericórdia do Senhor, pois em hora nenhuma foi escasso o socorro do céu!
Apesar disso, a batalhadora Eunice Weaver perdeu inesperadamente o esposo, com o que se rompeu o elo de luz que lhe sustentava o equilíbrio no labor de consolação e de misericórdia. Na ausência do sempre solícito esposo, a jornada a sós lhe foi mais difícil. Amigos leais buscaram animá-la, confortando-a e encorajando-a para a luta, dada a ausência física do idolatrado companheiro.
Em face disso, em 1959 uma de suas amigas a levou até Pedro Leopoldo para conhecer o médium Chico Xavier e a mensagem de paz e otimismo transmitida pelo médium lhe deu forças para continuar. Ela, a partir disso, sentia que seu marido não a abandonara e, com garra, voltou a enfrentar todas as tarefas que a vida lhe impusera. Ora era a luta por verbas sempre escassas e difíceis, adiante os serviços administrativos fatigantes. As viagens contínuas e exaustivas continuavam sustentadas pelo amor, feito de renúncia pelos menos favorecidos – os filhos do Calvário –, marchando em direção do amanhã ajudada por centenas de mulheres valorosas que ainda prosseguem inspiradas no seu imorredouro exemplo.
Sempre trabalhando, ela faleceu em 9 de dezembro de 1969, aos 67 anos, como sempre vivera: dedicada ao próximo. Ao terminar de discutir compromissos com o governo do Rio Grande do Sul, ela voltava feliz na expectativa de melhores dias para aqueles a quem considerava os seus de coração, quando foi subitamente chamada para a Vida Espiritual. Transladado seu corpo para o Rio de Janeiro, ele foi velado na Igreja Metodista e sepultada no Cemitério dos Ingleses, ao lado do seu idolatrado esposo, concluindo assim uma existência totalmente dedicada aos portadores do mal de Hansen e suas famílias.
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