Conversa feliz - Guaraci Silveira
Fomos convidados a conhecer um espaço diferente e grandioso que fica numa região de estudos e descobertas.(*)
Ali se congregam jovens de todas as nações, de todas as idades. Desde pré-adolescentes até jovens de vinte e cinco anos. Meninos e meninas ali se encontram em pleno desenvolvimento das suas capacidades intelectivas, morais e emocionais. Estão eles divididos por faixas etárias e línguas e estudam em pavilhões adequados às mesmas. Preparam-se para outras incursões na carne e no Brasil, noutro tempo que a Grandiosidade Divina assim o permitir. O que eu e Luana percebemos logo no início da nossa estada ali era a alegria reinante entre eles. Em cada grupo de cem, era raro ver um ou outra de carinha mais triste ou mais introspectiva. Reinava sim uma euforia muito própria de espíritos situados naquela faixa. Carmino, um dos mentores e instrutores daquela comunidade veio nos receber em seu escritório, diria: de luxo. Tudo eram beleza e harmonia. Se no plano físico os encontramos, imaginem nos planos espirituais!
– Então fazem o papel de peregrinos da vida no reino da morte? Falou-nos esboçando leve e jovial sorriso.
– Sim, estamos buscando a morte na vida! Respondeu Luana com sua inteligência e perspicácia. Estávamos pesquisando a vida no além, para informar aos amigos do plano físico.
– Pois lhes digo que vieram no lugar certo. Respondeu-nos.
– Em que sentido? Perguntei.
– Nossos irmãos que aqui estagiam deixaram o corpo em tenra idade. Quando isto acontece os entes queridos que ficam sentem um vazio e uma ausência que quase enlouquecem. Muitos buscam terapias ostensivas para apaziguar a dor que fica no peito. Outros tantos se rebelam contra Deus, culpando-O pela morte, no julgamento deles, de prematura. Não raro mães e pães aqui aportam durante o sono físico em busca dos seus filhos, querendo arrebatá-los e conduzi-los ao casulo doméstico, totalmente impróprio a todos depois que o desencarne acontece. O lar no plano físico é aconchego enquanto dele necessitamos. Há, porém o dia em que devemos deixar a carne e buscar outras estâncias, próprias aos nossos avanços. O difícil é fazer nossos irmãos encarnados pensarem assim. Noutro dia nossa irmã Esmeralda, encarnada, e durante um processo de emancipação da alma através do sono físico, veio aqui buscar a filha Glenda, desencarnada num acidente de moto. O corpo da jovem ficou totalmente destroçado debaixo das ferragens de um ônibus e ainda assim aquela mãe queria a filha de volta, mesmo totalmente quebrada, com traumatismo craniano e toráxico, além de outras implicações gravíssimas. Ela gritava, gesticulava e nos chamava de aliciadores de menores, culpando-nos pelo acontecido para que pudéssemos ter sua filha. Glenda ainda ocupa o pavilhão dos assistidos mais graves. Ainda bem que estando lá, fica isolada e não sente os rogos maternos e paternos, muitas vezes impróprios e que podem atormentar muito mais que demonstrar amor.
– E como a mãe descobriu a filha aqui? Perguntou Luana.
– Existem mentes travessas que servem de informantes dos encarnados, a mando de chefes perigosos. Um deles informou à Esmeralda onde Glenda se encontrava. Certamente a queria espíritos infelizes que possuem créditos com ela e querem acertar velhas contas. E isso cria proximidades.
– Mas ficamos assim indefesos? Perguntei.
– Sua avó paterna a socorreu e a trouxe até nós. Mas as trevas possuem recursos que muitos nem imaginam! Ajuntou Carmino completando:
– O bom mesmo é cuidar direitinho das nossas vidas, intenções e ações.
– Com certeza, um filho ou filha em tenra idade que deixa o corpo físico pelo processo da morte biológica, deixa nos corações dos familiares, principalmente os mais próximos um vazio que deve doer muito. Falei, lembrando-me de um fato que vivenciei num dos ramos da minha família quando encarnado.
– Ah, sem dúvida. A dor é imensa. É uma prova de difícil aceitação e entendimento. Contudo, é uma prova e que deve ser entendida com resignação e respeito a Deus. Gradativamente Ele vai acalmando os que ficaram utilizando-se de recursos que bem sabe onde os encontrar. A dor que persiste muitas vezes é causada pelo acúmulo de revoltas que podem se seguir ao processo do desencarne de jovens e crianças. Falou Carmino plenamente convicto de suas palavras.
– Sempre a dor, a revolta... Pensou alto Luana.
– Nos lares em que o Evangelho de Jesus é estudado em família, se este fato acontecer, os próprios membros ali reunidos encontram recursos para superarem a dor e o vazio deixado por aquele que desencarnou. Contudo, na maioria dos casos, são poucos aqueles que adquiriram o hábito de orar junto de seus familiares e aplicar os conhecimentos adquiridos no Evangelho em seu dia a dia. Então vale o comum: diante das decepções que a vida nos apresenta, a maioria revolta-se contra Deus. Mas, acima de tudo isto reina a Vontade Suprema do Pai e os cuidados generosos de Jesus que a todos nós protege.
– São muitos os jovens aqui presentes? Perguntei.
– Cerca de cinco mil.
– Eles se preparam para renascer? Perguntou Luana
– Ou para ascenderem a planos superiores da Terra. Muitas vezes o espírito cumpre o seu tempo na crosta, deixa o corpo na hora certa, estagia por aqui e vai em busca do seu aprisco e dos seus semelhantes em outros planos dentro da dimensão cósmica. Ou seja, enquanto muitos estão chorando a perda do filho ou da filha eles estão voando para regiões sublimadas da espiritualidade superior. Outros buscam aqui alicerces mais fortes que os mantenham firmes na nova encarnação. Alguns reencarnam com graves dificuldades, por isto retornam mais cedo há aqueles que se firmam e conseguem superar tais dificuldades e ficam mais um pouco. Isto é claro, quando as condições também forem boas para eles. Quando os pais, a família e a sociedade em geral estejam preparados para conduzi-los com seriedade e dignidade. Caso contrário, o melhor mesmo é retornar e aguardar novo tempo, com amplos e gerais amadurecimentos.
– Como assim? Perguntei.
– Há espíritos que renascem com sérias dificuldades. Os lares que os recebem podem lhes ser um hospital, um templo, uma escola ou até mesmo um matadouro. Tudo vai depender da vibração ambiente, das intenções reinantes naqueles que habitam aquele teto. Há encarnados e já debilitados pela doença que não suportam presenças infelizes de espíritos negativos ali levados pelas leviandades de pais, mães, irmãos, irmãs e outros que frequentam rotineiramente sua casa. As doenças agravam e lá vêm eles de volta, muitas vezes aliviados. Então, antes dos choros e das revoltas, é bom que todos higienizem suas mentes e lares para que a saúde geral seja estabelecida, confortando aos que ali residem e até curando, como sabemos de vários casos.
Percebi que receberia esclarecimentos não para um capítulo do livro e sim para muitos deles. O jovem na espiritualidade é tema instigante e que realmente haverá de esclarecer muitas dúvidas e tirar de muitos corações paternos e maternos aquela seta transpassada e que insiste por permanecer. Áulius nos mostrou um pequeno documentário sobre aquele local e nos disse:
– Se desejarem um dia conhecer mais de perto nossas atividades, estaremos prontos a atendê-los.
– Quem sabe? Como recusar um convite extraordinário como este, falei.
– Nossa! seria muito útil, completou Luana.
– Quando soube que viriam, convidei cinco jovens para conversar com vocês. Três moços e duas moças. Poderão entrevistá-los, colhendo suas histórias e impressões.
Dali a pouco estávamos defronte a cinco sorridentes criaturas cujas idades variavam entre quatorze e vinte e um anos. Muito bonitos, nem parecia que deixaram seus corpos em situações complicadas como veremos a seguir.
– Como se chama? Perguntou Luana à graciosa menina adolescente.
– Tatiane. Mas podem me chamar de Tati. É assim que todos me conhecem. Respondeu com elegância e simplicidade. Os demais deram seus nomes: Guto, Renato, Neto Júnior e Rafa, a Rafaela era de personalidade encantadora, bela e cativante.
– Quem começa? Perguntou a Rafa.
– Eu. Disse o Neto Júnior. O mais velho deles. Eu quero dizer que morri num assalto. Estava dirigindo o carro do meu pai quando dois assaltantes me pararam e pediram dinheiro. Eu de fato não tinha, eles acharam que estava mentindo e me mataram. Eu só ouvi um estampido e depois, mais nada.
– O meu caso foi diferente, falou o Renato. Fui nadar na Cachoeira e acabei afogando. Eu não sabia que o lago formado por ela era fundo e entrei feito louco naquelas águas deliciosamente frescas e não consegui vencer a correnteza. Afundei e ainda pude ver alguns peixinhos que brincavam de pique esconde entre eles, ou então de pique bandeira!
– E eu? Morri de bobeira. Entrei no carro do alucinado do meu primo e... Buuummm. Lá se foi o carro, ele e eu. Ou melhor: lá ficou o carro no ferro velho, eu aqui e ele... Bem, ele... não sei onde se encontra. Falou Tati.
– Minha história foi incrível. Estava comendo uns docinhos na casa da minha tia e, de repente não vi mais nada. Morri assim, de repente! Falou a Rafa sorrindo e bela como quê.
– É eu já fui avisando a todos que iria morrer. Apareceu o tal do câncer quando eu tinha uns doze anos e de lá até a morte não demorou muito. Mas, que doeu isto doeu! Era câncer nos ossos. Nossa como dói! Falou o Guto.
Pelo que perceberam, nossos jovens, depois da morte do corpo, sentiam-se bem felizes no plano espiritual. Foi então que Luana quis saber como estavam, se sentiam saudades de casa, se tinham notícias dos seus familiares.
– Olha, minha mãe chorou um pouco. Meu pai ficou anestesiado. Agora quem chorou mesmo foi o Tiago. Era meu namorado. Ele sofreu muito e sofre até hoje. Mas, um dia ainda o encontro. Já me disseram que ele vai se casar com uma moça que mora noutro país. Eu já me conformei. Afinal, tenho de tudo aqui e nem preciso me preocupar com nada. Sei que um dia vou para lá de novo, então me ajeito melhor e encontro um corpo mais resistente que me aguente melhor nele! Falou Rafa sorrindo.
– Minha mãe foi ao desespero e meu pai procura até hoje aqueles assaltantes que me tiraram do corpo. Bobagem. Fiquei sabendo que aprontei muito no passado e causei várias desencarnações abusando da minha autoridade de coronel rodeado de jagunços. Matei e morri. Tudo certo na conta de Deus e peço a Ele que tranquilize o meu pai para que ele não mate ninguém para não ter que morrer depois assassinado como eu. Falou o Neto Júnior.
– Eu morri porque achei que era mais forte que a natureza. Queria provar para todos que venceria a correnteza da água e me dei mal. Aqui me disseram que muitos esportes perigosos arrastam milhares de jovens para a morte ou às cadeiras de rodas. Da próxima vez vou me cuidar melhor. Dei um desgosto enorme aos meus pais, mas a culpa foi minha. Agora estou bem e peço a Deus que os conforte. Nada é por acaso, então eu devo ter afogado alguém em algum tempo ou algum lugar. Não sei das minhas existências passadas, mas eu me sinto um pouco aliviado. E queria pedir aos pais e mães que ficaram na Terra enquanto seus filhos viajaram para a espiritualidade que, ao invés de chorar e revoltar ore por eles. As preces que chegam aqui são como cartas que o carteiro entrega trazendo boas notícias. Falou Renato.
– Acho que o meu caso é muito parecido com o do Renato. Sabia que meu primo era um maluco no volante e mesmo assim arrisquei. Arriscar pode ser perigoso. Minha avó me socorreu e me trouxe para esta escola. Mas, no princípio foi difícil. Ouvia os choros dos meus pais e queria ficar ao lado deles. Quanto mais eles choravam, mais eu chorava. Custaram a desmontar o meu quarto. Os móveis, minhas roupas, cd’s, vídeos, computador, skate, enfim, tudo aquilo parecia que também me chamava. Foi horrível. Da próxima vez que nascer vou ter o mínimo possível de cada coisa. Quando se morre tendo muitos objetos aquilo vira um entulho dentro da gente gritando pela nossa presença. Amei quando a Tia Vera chegou lá em casa e deu um jeito no meu quarto, doando toda aquela bugiganga para um orfanato. Foi um alívio. O meu quarto acabou ficando para a Rosinha, filha da empregada. Ela reza todos os dias agradecendo-me. Afinal, nunca teve um quarto! Como me sinto bem quando ela faz isto. Eu sinto que pelo menos um espaço útil eu deixei na Terra. Daqui procuro orar para os meus pais que ficam pensando com raiva do Xande, meu primo. Poxa deixem ele em paz onde estiver! Ele também deve de tá sofrendo assim como os meus tios. Às vezes pensamos só nas nossas dores e não nas dos outros! Aqui estudamos muito isto. Falou Tati, num desabafo.
– No princípio eu me revoltei quando fiquei sabendo do câncer. Queria viver, estudar. Tinha um projeto de trabalhar com computação gráfica e, de repente, me deram um veredicto: você está com câncer, e dos piores! Vivi os dias restantes entre a dor e a raiva. Meus pais até que entendiam um pouco sobre a morte. Eles estudavam o Espiritismo. Então foi mais fácil para eles do que para mim. Mas o dia da minha morte foi maneiro. Sai do corpo e viajei num ônibus super diferente e cheguei aqui. Enturmei e hoje vivo feliz e meus pais também. Outro dia minha tia daqui escreveu para eles uma carta dando minhas notícias e eles se alegraram muito.
Anotamos com cuidado cada um daquele depoimento. Conversamos muito ainda e, como sempre, a síntese que fizemos é de como a vida é maravilhosa estando encarnado ou desencarnado. Se existem sociedades no plano da crosta, existem mais e muito dinâmicas por aqui. Então o que posso dizer àqueles cujos filhos ou filhas retornaram quando crianças ou moços é que eles definitivamente não morreram. Estão se construindo e preparando para voltar. Ficamos sabendo de um caso em que a filha desencarnou aos sete anos. Dois meses depois já estava de novo no útero da própria mãe para nova vida. Havia terminado um ciclo e começando outro. Os pais terrenos, os familiares, enfim, devem buscar mais as essências da vida e se inteirarem mais da Soberana Justiça e do Amor Absoluto de Deus, que cuida de todos nós, Seus filhos, com a mesma distinção, oferecendo a cada qual a quota necessária aos seus crescimentos.
Despedimo-nos daqueles jovens e eles nos pediram que retornássemos. Que conheciam casos e mais casos ali. Que havia um momento do dia em que os grupos se reuniam e cada qual contava sua história. Tinha gente que morreu engasgado, outro de tanto rir, outro tentando roubar fruta no pomar do vizinho, caindo da árvore e batendo com a cabeça na pedra, outro... Outro... Contudo, como os jovens nos disseram:
– A gente morre de rir das formas de como morremos!
(*) Este conto foi mediunicamente inspirado pelo Espírito Elias a Guaraci de Lima Silveira, que reside em Juiz de Fora, MG.
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