Caridade material sim, mas iluminação também! - Rogério Coelho

As obras da caridade material somente alcançam a sua feição divina quando colimam a espiritualização do homem, renovando-lhe os valores íntimos.

“(...) Este é o mundo dos famintos: existe fome de pão, fome de luz, fome de paz, fome de amor...” Amado Nervo

Segundo Vinícius[1], “(...) não só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus — disse Jesus. Essa palavra é a luz, é a verdade...

A luz é para o Espírito, o que o pão é para o corpo. O homem, em sua expressão real, não se confina exclusivamente na carne e no sangue, pois ele é uma alma encarnada.   Ora, se o pão é indispensável à vida corpórea, a luz é imprescindível à vida espiritual, considerando que esta é a vida real que sobre aquela reflete. Daí o ser a mais importante, a que requer mais atenção e cuidados. Cumpre, por­tanto, que o homem não porfie e lute somente pelo pão que nutre o corpo perecível, mas também, e principalmente, pela aquisição da luz que alimenta e dá crescimento ao Espírito imortal. O homem sendo, como ficou dito, uma Entidade composta de alma e corpo, não pode, por isso, atender aos reclamos da vida, mantendo-se adstrito ao problema do pão.

Pelo pão todos porfiam, e batem-se com denodo e tenacidade; pela luz, porém, não fazem o mesmo... Quem carece de pão, protesta desde logo e põe-se em atividade, lançando mão de todos os meios e processos, lícitos ou ilícitos, para adquiri-lo.   Aqueles que se acham na escuridão, nela permanecem, à míngua de luz, agitando-se no meio da confusão e da incompreensão dos problemas que os afetam. A luz não lhes interessa como o pão interessa ao faminto; por isso, este, quando não pode exigir, pede e implora o pão, enquanto que aquele menospreza e desdenha a luz cujo valor desconhece. O faminto sabe e sente que lhe falta o pão. O ignorante presume que tem luz e, por isso, não a deseja e nem a procura. O faminto está certo e convencido de que sem o pão não pode viver, ao passo que o ignaro não concebe o papel que a luz representa na trama da vida eterna do Espírito.

A fome do pão para a boca produz efeitos imediatos, que o faminto busca logo remediar ou prevenir. As funestas e desastrosas consequências da ignorância da Verdade são complexas, e, por vezes, remotas, de modo que as suas vítimas não estabelecem nenhuma relação entre a causa e seus efeitos.

Não é necessário advertir o faminto que ele necessita de pão.  No entanto, é preciso muito esforço, paciência, engenho e arte para convencer o ignorante de que ele tem necessidade de luz. Qualquer um pode distribuir pão; poucos, porém, estão em condições de espalhar e difundir a luz.  O pão é ardentemente desejado pelo faminto, enquanto que o insciente rejeita e repele a luz oferecida”.

Dessa forma, Vinícius nos chama a atenção para duas realidades perversas:

  1. São poucos os despenseiros da Luz;
  2. São poucos os que se interessam pela Luz.

Concluímos, assim, com Vinícius, que se o ignorante sentisse fome de luz e encontrasse quem a oferecesse, já não haveria consciências embotadas e corações insensíveis ao bem; o mundo já seria luminoso!...

Afirma, com razão, Amado Nervo em seu livro “Plenitud”: “(...) todos os homens têm fome, e todos nós estamos, por isso, em condições de exercer a caridade. Faz-se necessário identificar a fome daquele que nos procura, fome essa – muitas vezes – oculta, já que com exceção da fome de pão, todas as demais se escondem. Quanto mais angustiosas, mais ocultas”.

Allan Kardec[2] nos estimula a encontrar esses focos de infortúnios ocultos, esses milhares de desastres particulares, que passam despercebidos.  Esses infortúnios discretos e ocultos são os que a verdadeira Caridade sabe descobrir e, consequentemente, erradicar.

Entendemos, também, com Amado Nervo, que tais infortúnios não são somente aqueles caracterizados pela fome de pão, mas – igualmente – aqueloutras fomes angustiosas e ocultas: fome de luz, fome de paz, de amor, fome de aconchego...

Emmanuel o nobre Mentor de Chico Xavier esclarece [3]: “(...) O trabalho imediato dos tempos modernos é o da iluminação interior do homem, melhorando-se-lhe os valores do coração e da consciência.

Não podemos desprezar a caridade material que faz do Espiritismo evangélico um pouso de consolação para todos os infortunados; mas não podemos esquecer que as expressões religiosas sectárias também organizaram as edificações materiais para a caridade no mundo, sem olvidar os templos, asilos, orfanatos e monumentos. Todavia, quase todas as suas obras se desvirtuaram, em vista do esquecimento da iluminação dos Espíritos encarnados.

A Igreja Romana é um exemplo típico: senhora de uma fortuna considerável e havendo construído numerosas obras tangíveis, de assistência social, sente hoje que as suas edificações são apenas de pedra, porquanto, em seus estabelecimentos suntuosos, o homem contemporâneo experimenta os mais dolorosos desenganos. 

As obras da caridade material somente alcançam a sua feição divina quando colimam a espiritualização do homem, renovando-lhe os valores íntimos, porque, reformada a criatura humana em Jesus-Cristo, teremos na Terra uma sociedade transformada, onde o lar genuinamente cristão será naturalmente o asilo de todos os que sofrem...”.

Afirma a querida amiga-mentora Joanna de Ângelis[4]: “(...) quando a caridade transcende as doações materiais – que são, igualmente, suas manifestações respeitáveis – sublima-se, santificando quem se propõe vivê-la, na área dos contributos morais”.

Assim, dediquemo-nos – infatigavelmente – à caridade material sim, mas à iluminação das almas também.

 


[1] - VINÍCIUS. O mestre na educação.  6.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1997, cap. 23, p. 97 e 98.

[2] - KARDEC, Allan.  O Evangelho Segundo o Espiritismo.  104.ed. Rio: FEB, 2009, cap. XIII, item 4.

[3] - XAVIER, Francisco Cândido.  O Consolador.  23.ed. Rio de Janeiro: FEB, 2001, q. 255.

[4] -FRANCO, Divaldo. Alerta. Salvador: LEAL,1982, cap. 12.



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