Biografia preciosa e detalhada de Bezerra de Menezes

Em meados de dezembro de 2021 uma portentosa pesquisa biográfica, o livro “Bezerra de Menezes: o homem, seu tempo e sua missão”, de autoria de Luciano Klein, foi lançado pela Federação Espírita do Estado do Ceará (FEEC) e pelo Memorial Bezerra de Menezes (MEBEM).

A edição histórica, comemorativa dos 190 anos de nascimento de Bezerra (1831-1900), é enriquecida com centenas de ilustrações e reproduções de documentos, totalizando 1.192 páginas.

Luciano Klein é o atual presidente da Federação Espírita do Estado do Ceará (FEEC); é graduado em História, professor do Colégio Militar de Fortaleza, Sócio Efetivo do Instituto do Ceará – Histórico, Geográfico e Antropológico.

Essa detalhada biografia é resultante de quase três décadas de pesquisas, tendo o autor feito o estudo pormenorizado de centenas de fontes, ouvindo pessoas e deslocando-se em viagens.

Em mensagem de Vianna de Carvalho, psicografada por Divaldo Pereira Franco, o espírito comenta: “que os conhecimentos hauridos após sua leitura e reflexão possam servir de roteiro de segurança e de conforto espiritual, apontando o rumo da plenitude a todos nós, que nos encontramos em lutas de recuperação espiritual”. Há também prefácio de Samuel Magalhães; e introdução do próprio autor.

De início, Klein adianta: “Embora ousado, por meio de ideias, projetos e raciocínios, muito além do Brasil Oitocentista, constatamos ter ele sido um homem que amou intensamente seu semelhante, cultivou sonhos pessoais e coletivos, sofreu, lutou na defesa das convicções esposadas e que também, na sua humanidade, cometeu erros, perfeitamente compreensíveis quando observados pela lupa do historiador. [...] permite-lhe identificar a personalidade como um verdadeiro ‘Homem de Bem’, um ser humano de singular beleza espiritual...”

Entre tantas preciosidades, destacaremos alguns registros.

Desenvolvem-se 17 capítulos com ricas informações e análises sobre o grande vulto, envolvido nas mais diversas frentes de atuação, protagonizando lances que o diferenciavam no século XIX, pelo amor posto em cada atitude, a bem de todos, como médico, político, empresário, pesquisador/cientista, escritor, tradutor e biógrafo. Naturalmente houve ênfase nos detalhes familiares, ascendentes e descendentes, e locais onde Bezerra nasceu no interior do Ceará, nos vários locais em que viveu, notabilizando-se na Capital do Império.

Interessante foi o esclarecimento documentado sobre o título de “Benemérito Médico dos Pobres”. Não foi como se propaga uma homenagem popular, mas um título oficial, usado para distinguir médicos do Rio de Janeiro. Foi outorgado a Bezerra aos 10/08/1868, pela Provedoria dos Socorros Públicos, “pelos serviços prestados à Caixa Municipal de Beneficência, na qualidade de Médico dos Pobres”.

Nas atividades profissionais, atuou a maior do tempo como cirurgião e clínico. Mas após ser beneficiado, como também sua esposa, com um tratamento homeopático indicado pelo médium João Gonçalves do Nascimento, Bezerra passou a estudar e depois praticar a Homeopatia.

A notável pesquisa de Klein contribui com subsídios para a compreensão de ações parlamentares nos períodos do Império e início da República. Surgem muitos detalhes das ações públicas, inclusive político-partidárias de Bezerra, como vereador e deputado, até concomitante aos seus encargos espíritas. De permeio há informações sobre amizades históricas como Quintino Bocaiúva, Artur Azevedo e José do Patrocínio.

Nota publicada na primeira página do “Diário de Notícias” de 02/09/1889, que tinha Ruy Barbosa como redator-chefe: “Pelo terceiro distrito foi eleito o distinto chefe do Partido Liberal da Corte e província do Rio, e chefe do Espiritismo brasileiro, o sr. Dr. Bezerra de Menezes. O ilustre deputado tem prestado importantes serviços ao seu partido e ninguém merece mais tão elevada posição. Esse moço sacrificou sua grande clientela pela política, entregando-se de corpo e alma ao seu partido, como até há pouco tempo estava entregue ao Espiritismo. [...] Na Câmara dos Deputados, além de reformas importantes que o ilustre representante do terceiro Distrito tem a apresentar, em benefício de nosso Município, apresentará também um projeto de lei, que manda adotar, nas escolas públicas, o livro de Allan Kardec, como compêndio de moral e religião”.

Bezerra era abolicionista, monarquista parlamentarista e depois aderiu à República. Entre suas propostas, anotamos o projeto para criação de uma “Escola de Farmácia”. Os jornais da Capital sempre focalizaram suas ações políticas, algumas informativas e outras com deboches, inclusive com repetidas charges e caricaturas.

Fato histórico foi registrado em litogravura de 1876 que retrata a cerimônia de colocação da pedra fundamental do novo sistema de abastecimento de águas do Rio de Janeiro, em que Bezerra, na condição de presidente da Câmara Municipal, presidindo o ato, tem ao seu lado D. Pedro II, a princesa Isabel e seu marido, o Conde d’Eu.

Nas atividades ligadas ao Espiritismo surgem muitas informações sobre as relações de Bezerra com médiuns e lideranças espíritas das duas últimas décadas do Século XIX e sobre suas atuações em instituições espíritas, inclusive na então novel Federação Espírita Brasileira, da qual foi presidente em duas oportunidades (1889-1890 e 1895-1900) e vice-presidente (1890-1891). Bezerra enfrentou muitas resistências nos seus encargos espíritas.

Assim, também emergem notas biográficas sobre vultos marcantes da época e, inclusive, esclarecendo-se distorções criadas sobre alguns personagens.

Bezerra, como presidente do Centro Espírita do Brasil, oficiou o Marechal Deodoro, chefe do Governo Provisório, aos 22/12/1890, “em defesa dos direitos e da liberdade dos espíritas contra alguns artigos do Código Penal Brasileiro de 1890, no conhecido episódio de perseguição aos espíritas”.

Klein transcreve trechos do discurso de Bezerra do ano de 1891, em que defende a união dos espíritas. Em artigo no “Jornal do Brasil”, em outubro de 1895, escreve Bezerra: “[...] Ciência e religião são mais duas asas do Espírito, para ascender às regiões superiores, onde o sábio sem moral não pode ter assento, tanto quanto o santo sem conhecimento das causas – ignorante. É preciso, pois, que trabalhemos por avigorar ambas as asas...”

Um fato marcantemente esclarecedor foi a real identificação do filho alvo de obsessão e tratado por médiuns espíritas, fato motivador para a pesquisa que gerou a obra “A Loucura sob novo Prisma”. Trata-se do filho mais velho Adolfo Júnior e que Bezerra teria alterado a identificação como sendo o filho Antonio “talvez para preservar o primogênito que permanecia sob os cuidados da família” e que desencarnou somente em 1899. O texto original tinha por título “A loucura: à luz da Fisiologia e da Psicologia”, que o biógrafo comenta: “Bezerra, muito provavelmente, aspirava apresentar sua pesquisa”, referindo-se ao Congresso Espírita e Espiritualista Internacional de Paris (setembro de 1900). Esse livro de Bezerra, que muito apreciamos, foi inicialmente editado pelos seus filhos em 1920 já com o título atual, e, posteriormente pela FEB em 1946.

O título de “Kardec Brasileiro” é esclarecido pelo biógrafo ao transcrever artigo do presidente da FEB Leopoldo Cirne, do ano de 1904, com a informação que José Gouvêa de Mendonça em evento da FEB realizado num Clube, a 03/10/1895 proclamou entusiasticamente “o Allan Kardec Brasileiro”.

Nos dias do lançamento dessa recente biografia fomos brindados com a oferta da preciosa obra com a dedicatória do autor. No final do livro com surpresa, encontramo-nos citado entre personagens do movimento espírita da atualidade que fazem “garimpagens convertidas em livros, referentes a biografias ou as aspectos do Espiritismo...”

Luciano Klein conclui sobre seu valioso estudo: “A pesquisa nos credencia a assegurar que o Bezerra de Menezes, analisado e compreendido como um homem de seu tempo, se nos apresenta mais grandioso e admirável quando comparado ao Bezerra de Menezes que o movimento espírita conhece corriqueiramente”.

Encerrando o livro, há manifestação do jornalista Tarcísio Matos, de Fortaleza, considerando a pesquisa um “rastro de luz espalhado por seu biografado”.

A preciosa e detalhada biografia de Bezerra de Menezes merece ser lida, estudada e difundida na seara espírita.


Referência:

Klein, Luciano. Bezerra de Menezes. O homem, seu tempo e sua missão. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora. 2021. 1192p.

Informações: páginas eletrônicas da Federação Espírita do Estado do Ceará e Amazon; https://feec.org.br/livrobezerra/


Antonio Cesar Perri de Carvalho foi presidente da USE-SP e da FEB.



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