Alfredo Júlio Fernandes, um expoente do Espiritismo em Uberlândia

Em 1888, o Brasil assistia ao movimento de libertação dos escravos, que já somavam cerca de 720.000 nas terras brasileiras, enquanto Uberabinha se elevava à categoria de município e se orgulhava de ver o que possuía, através do inventário realizado: 60 engenhos, 20 oficinas de ferreiros e sapateiros, 9 olarias, 600 carros de bois, 20.000 cabeças de gado, 21 negociantes e 200 casas, entre moradias e comércios.

Naquele ano, no dia 20 de janeiro de 1888, nascia Alfredo Júlio Fernandes, na cidade de Espírito Santo do Pinhal (SP), o qual, embora viesse desencarnar 18 anos após ter conhecido o Espiritismo – a desencarnação ocorreu em 6 de agosto de 1937 –, foi o semeador a deitar sementes férteis cujos frutos são colhidos até hoje.

Alfredo Júlio se tornou espírita através de seu irmão mais velho, Manoel Júlio, e de seu grande amigo Joaquim Martins da Costa, profundos conhecedores da doutrina. Ignorando o Espiritismo, Alfredo Júlio chegava, antes disso, a criticar o comportamento dos dois jovens, enquadrando-os no fanatismo. Manoel Júlio, por sua vez, cansado de convidar o irmão a conhecer a nova doutrina, encontrou ensejo ao receber um convite de Alfredo para ir a um baile, em uma noite:

– Só irei ao baile se antes você me acompanhar no trabalho no centro espírita logo mais, propôs Manoel ao irmão.

– Eu irei, mas vou ficar bem lá atrás – consentiu Alfredo Júlio.

Alfredo Júlio recebeu naquele dia provas contundentes da vida após a morte, através da manifestação mediúnica onde pôde reencontrar sua primeira esposa, dona Mocita, desencarnada dois anos antes e que lhe deu provas de ser ela ali presente. Naquele momento, Alfredo se entregou não só às emoções, como deixou o preconceito dar lugar à vontade de conhecer a Doutrina Espírita. E não parou mais.

Saía a cavalo com livros de Kardec na sacola e ia de casa em casa levar as palavras do Divino Mestre. Dizia que sentia necessidade de dar a todos o conhecimento dos ensinamentos de Jesus.

Em 1920, indo para o interior de Minas Gerais, Estação Ferroviária do Buriti, Alfredo conheceu Bercholina Arantes, com quem se casou em 1921. Foi ela a companheira devotada que o apoiou na sua missão, Dessa união nasceram os filhos Maria, Lígia, Joel, Eurípedes, Fénelon, Filon Fernandes, Margarida Fernandes Horbylon e Tereza Fernandes Teixeira.

No ano seguinte, o casal se mudou para São Pedro de Uberabinha e Alfredo Júlio ingressou nos trabalhos do Centro Espírita Fé, Esperança e Caridade, onde, através da mediunidade, se dedicava aos trabalhos de receituário. Com auxílio do companheiro João Faria Godoy, que escrevia as receitas ditadas pelo médium, e outros dedicados trabalhadores como Gustavo José da Silva, dona Iveta Borges Vilela, Alfredo Vilela de Andrade e Odilon José Ferreira, a equipe atendia extensa fila de pessoas que buscavam auxílio para os problemas mais variados de saúde física e espiritual. As correspondências que chegavam de diversos pontos do Brasil e até do exterior recebiam igual atenção nos trabalhos que eram realizados duas vezes por semana às 5 horas da manhã. Por muitos anos esses trabalhos se realizaram no Centro Espírita Fé, Esperança e Caridade, onde aos poucos foram chegando muitos outros trabalhadores.

Alfredo Júlio possuía uma casa comercial na praça dos bambus – atual praça Tubal Vilela, de onde retirava o estritamente necessário. “Quando éramos crianças, estudávamos no Grupo Escolar Júlio Bueno Brandão. Atravessávamos a praça e passávamos na frente da venda todos os dias”, relata Deolinda Valentim Rosa, que muitos anos depois passou a frequentar o C.E Fé, Esperança e Caridade nos trabalhos de receituário, iniciados por Alfredo Júlio. “Quando Alfredo Júlio chegava, iluminava o recinto com seu sorriso. Estava sempre vestido de branco, atrás do balcão com doces, pirulito e banana da Terra”, relembra Deolinda.

Outro espírita contemporâneo e destacado trabalhador na Doutrina, Miguel Domingos de Oliveira, recorda: “Ali, naquele armazém, circulava um grande número de pessoas, não somente para comprar, mas para desfrutar de suas palavras amáveis e cheias de ensinamentos evangélicos. Certo dia, quando Alfredo estava atendendo uma senhora, a confreira dona Maria Cândida, olhando para o jardim da praça, viu dois homens se atracando corporalmente, um com uma faca, o outro com um pedaço de pau. Seu Alfredo ficou estático, e dona Maria, apavorada, chamando por ele. Neste momento, ele estava separando uma briga através da prece. Em seguida, ambos olharam para os dois homens que se separavam. Alfredo respirou profundamente e disse: - Graças a Deus, com essa prece, evitamos uma tragédia de morte. Que Jesus nos abençoe e também àqueles dois irmãos que estavam assediados por espíritos das trevas.”

Além dos trabalhos de receituário, Alfredo Júlio se dedicava aos estudos no centro e à tarefa de assistência aos obsidiados na instituição que viria a ser inaugurada em 1932, o Penatis Allan Kardec. Seu desprendimento junto aos mentores espirituais, inicialmente Bartolomeu dos Mártires e depois Leocádio de Assis, possibilitou a realização de inúmeras curas, trazendo assistência para doentes desenganados e despertando os conhecimentos acerca da Doutrina.

Sua lucidez espiritual possibilitou que, assim que ele se visse livre do corpo físico, se fizesse presente para o médium Adelino de Carvalho. “Eu estava ao lado do sr. Adelino naquele momento” – conta Miguel Domingos de Oliveira. “Eu voltava com minha esposa, Maria, da casa de meus sogros. Estávamos no trem e chegando na estação, em Uberaba o senhor Adelino de Carvalho embarcou e eu, o vendo, perguntei se ele iria dar um passeio.

– Antes fosse – respondeu ele. Vou assistir um amigo que está muito mal, o Alfredo Júlio.

Eu me espantei, pois havia viajado há meses e não sabia que ele estava doente.

Quando chegamos a uma estação antes de Uberlândia, ele me disse:

-- O Alfredo já fez a sua passagem. Ele esteve aqui, nos cumprimentou acenando e saiu.

Naquele instante, o relógio marcava 13 horas. Quando chegamos à estação de Uberlândia, muitos espíritas aguardavam por Adelino de Carvalho, que assim que desembarcou avisou aos confrades o desenlace do amigo, o que foi confirmado pelo sr. Fernando Vilela, que apressadamente chegava à estação com a notícia.”

Os exemplos de desprendimento e dedicação de Alfredo Júlio continuam presentes no movimento espírita, mesmo tendo completado mais de 60 anos de sua partida para o mundo espiritual, onde continua atento, dedicando-se a nobres realizações.

Um recado de Alfredo Júlio

Caros irmãos, companheiros de lutas cristãs e da abençoada Doutrina Consoladora.

Hoje são inúmeras as facilidades que o cristão encontra para servir. Não existem barreiras religiosas e os avançados meios de comunicação facilitam o intercâmbio entre cidades e povos.

Sou de uma época em que obter um evangelho levava meses.

Muitas vezes levei, em mulas, a lugares distantes, a Doutrina Consoladora, buscando retirar das fontes das almas o ouro em pó da fé.

A luta dos primeiros espíritas ressoa no infinito como clarinada de bênçãos.

Hoje vemos com alegria despontando tarefas e construções socorristas, onde a dor é minorada.

Caminha-se com mais caridade e com firme objetivo de levar aos que sofrem menos padecimentos.

Pra você que sofre a perda de entes que partiram, não chore. Na ampulheta do tempo a saudade fortalece aos que amam e têm fé no grande reencontro no Amanhã.

Você, que sofre situações dolorosas no campo moral, lembre-se de que não existe porta fechada para aquele que tem a coragem bastante para se modificar e lutar por melhores horas.

Quando nosso Espírito desperta no plano espiritual, o reencontro com os amigos que nos antecederam é uma festiva alegria.

Nosso lema permanente, irmãos, deve ser Servir.

Nossa fé não deve ser abalada pelas atitudes de homens falíveis, mas devemos depositá-la aos pés d’Aquele que nunca falha, que é nosso mestre Jesus.

Avancemos com a luz, certos de que nossa força realmente reside na caridade com Jesus.

Aquele que oferece o óbolo do amor, de Jesus recebe o retorno, mais paz e amor, que o ampara nas duras provas.

Comigo estão companheiros queridos e laboriosos que por meu intermédio cumprimentam a todos.

Nosso venerável Eurípedes Barsanulfo envia uma ordem de comando Superior: AVANÇAR sempre na luz!

Gustavo José da Silva abraça os familiares queridos como também João Faria Godoy. Deixo aqui meu estímulo. Avancem meus irmãos com o evangelho nos lábios, nas ações e no coração.

Jesus sempre!

Alfredo Júlio Fernandes

(Mensagem recebida pela médium Shyrlene Soares Campos em reunião mediúnica de 21/11/1987 no Núcleo Assistencial Servos Maria de Nazaré, em Uberlândia-MG.)

Fontes:

“Terra Fértil, Semente Lançada – A história do Espiritismo em Uberlândia”, de Izabel R. Vitusso.

“Marcas de Amor”, de Margarida Fernandes Horbylon.



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