Ricos são os momentos de tédio

Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação. Manoel de Barros

Experimentar o tédio é fundamental na infância. 

Os pais não devem preencher toda a agenda do filho com atividades extracurriculares. Pelo contrário, impedir que uma criança viva momentos sem nada para fazer prejudica o desenvolvimento da sua personalidade, da sua emocionalidade.

Grande aliado da imaginação, momentos de tédio incentivam a criança a aprender a conviver consigo mesma, ser uma companhia agradável para si mesma. E toda criança entediada se obriga a inventar alguma coisa para fazer…

Experimente de modo regular deixar seu filho realmente sem fazer nada. Leve-o para fora de casa, se possível – quintal, pracinha do bairro. Depois de um tempo, observe-o: ele começará a procurar pedrinhas, mexerá nas plantinhas, investigará vasos, árvores e coisas que o sensibilizem de alguma maneira e, na sequência, brincará animado e concentrado.

Ao contrário do que muita gente pensa, momentos ociosos embasam o livre brincar, possibilitando que a criança explore o mundo, desenvolva habilidades físicas, coordenação motora, habilidades sociais (empatia, por exemplo), instigando a coragem para enfrentar os pequenos desafios da rotina, de avaliar os riscos que emergem de situações diversas. Então, no parquinho do edifício, a criança reflete consigo mesma: “será que hoje eu consigo balançar mais alto?”

Quando pensamos na interação dos pais com a criança, não estamos dizendo os pais brincando com o filho ou a filha o tempo todo. Na realidade, a criança precisa de tempo de solidão, quando ela é deixada sozinha com seus brinquedos – carrinhos, blocos, bonecas, lápis de cor, tinta… Basta dizer a ela: “Nada de TV agora, nada de tablet. Vai brincar com seus brinquedos. Vai inventar, vai desenhar…” E sempre que puder, leve-a para correr e brincar ao ar livre. Se cair e se machucar, a criança vai perceber que aquela dor aguda, do momento, passará, e esse aprendizado faz muita diferença para o período da adolescência. Porque a dor de ser superprotegido, impedido de crescer, é absolutamente difícil de ser sanada – e necessário avançar no caminho…

Notinha

Existem muitas definições de tédio. Transcrevo aqui uma que a mim faz sentido: “é uma experiência aversiva de querer, mas não conseguir, se engajar em uma atividade satisfatória” (John Eastwood, pesquisador canadense). O tédio aparece quando não temos estímulos, e piora quanto mais obcecados estivermos com eles. Sei, por experiência, que não devemos temê-lo, mas aceitá-lo e aproveitá-lo. Com isso, somos impelidos a explorar novas ideias e escolhas, ou seja, abrimo-nos à criatividade. E, no caso das crianças, permitir sim que elas experimentem o tédio, que fiquem momentos do dia ociosas, porque isso dará vazão a um importante aliado do próprio tédio: a imaginação. É um fato: sem a capacidade de se entediar, o ser humano dificilmente teria feito conquistas artísticas e tecnológicas.



Comentário

0 Comentários