Preito de gratidão à minha avó materna

Peço licença aos queridos amigos leitores do nosso querido jornal Imortal, que me acompanham lendo Crônicas de Além-Mar, desde fevereiro de 2006, pois vou aqui prestar um preito de gratidão a uma senhora maravilhosa, simples, creio que tenha sido analfabeta e, no entanto, me ensinou a viver com o maior respeito à vida.

Querida vovó! Que alegria poder ter lembranças suas, vívidas em minha mente!

O sítio, situado ao pé do Morro Monte Verde, a uns seis quilômetros da pequenina cidade de Jundiaí do Sul, considerado norte velho do estado do Paraná. Procuro nas lembranças ver o rosto de minha avó, e sempre a vejo sorrindo, alimentando porcos, fazendo pão, fritando carnes em um enorme tacho, fora no quintal, sempre alisado com cinzas e água, para que a brancura do pátio refletisse a brandura de alma de uma senhora de longos cabelos, com um coque sempre preso com ramonas e que estava sempre perfumada. E como inventava coisas diferentes! E eu a admirava. O chão da casa rústica e simples era de terra muito bem amassada, onde se jogava cinza, e pulverizava água, e se passava a vassoura que ela fazia, e tudo ficava brilhando.  A bilha de água, ou filtro de barro, sempre limpo, com toalhinha de crochê que ela confeccionava cobrindo a talha de barro, que oferecia água fresquinha aos que chegavam, e a porta nunca estava fechada. “Ô de casa”, alguém falava. "Entra, comadre", ela dizia.

Eram assim os dias com minha avó. Bolinho de chuva nunca faltava, e ela fazia especiais para mim, que ficassem molinhos na parte de dentro, e sempre me deixava raspar as bacias de bolo. Era assim aquela senhora sábia, de alma cândida e mãe compenetrada. Os filhos, desde pequeno, todos eles, ajudavam a plantar, a colher, a cortar, a arar a terra, a ordenhar, e tudo... As mãos de obra eram produzidas na própria família.

Ela ensinou-nos com sua sabedoria, a todos, tanto os pequenos como os grandes, que a rodeavam, e nos sentíamos muito bem, com seu natural dom de educar. Oito filhos, dormiam dois a dois em camas feitas com madeira do sítio, colchões fofos e gostosos, orgânicos, feitos de palhas de milho, travesseiros orgânicos feitos do algodão com que a linda e verde florida paineira beneficiava a todos. Muito me encantavam as painas e as flores daquela árvore, onde eu me sentava em meu banquinho especialmente feito para mim, e comia meu milho assado em brasa. Ali ficavam soltos os papagaios caseiros, que cantavam, chamavam os cachorros, e nos chamavam por nomes, imitando minha avó. Os papagaios ficavam soltos de dia e recolhidos à noite, por conta das danadinhas raposas. Com minha avó, era imperdível o momento das orações diárias.

Ensinava-nos a conhecer Deus nos açudes onde íamos alimentar as carpas, cevando para o alimento orgânico, tão natural e hoje tão caro de ser comprado. Lá isso era tão simples e natural. Acompanhava suas canções sertanejas, quando lavando roupa no riacho, nos pastos cercados por arames, nas ordenhas matutinas, na curiosidade o que seriam aquelas luzes que dançavam no céu, e ela dizia ser o boitatá em noites escuras. Conversas no entardecer adentrando a noite, sob à luz do lampião de querosene, conversas sobre plantação e na colheita!

Nessa universidade do lar de meus avós, minha avó era a reitora!

A divindade atua de várias formas: - Minha querida avó materna! Você tinha onze anos quando teve seu primeiro filho em mãos de parteira, no sítio, distante de hospitais! Quando eu nasci, minha mãe, sua filha, tinha quinze anos!

Minha avó querida! Aprendi a fazer contigo a cadeirinha de capim, para a minha boneca de sabugo de milho maduro, aprendi a fazer colar de florezinhas silvestres que eu usava com muita pompa, a buscar contigo os ovos no galinheiro, ou ver os pintinhos que nasciam, em ninhadas barulhentas. Adorava comer batata assada nas cinzas quentes, mandioca cozinha ou assada, que cheiro bom!!! O grande fogão de lenha da sua casa nunca estava sem água quente para um café quentinho, no coador de pano que você fazia, e na armação de madeira que o vovô fazia, habilidoso que era. Parece que é um conto fictício, que isso foi um filme a que eu assisti e que não tem como desligar. Mas que bênção poder dizer que a minha memória é recheada de muito mais. Por hora, fica aqui uma pequena parte da minha gratidão a você, que às vezes se fazia uma moleca brincando conosco, com seus quarenta anos e já contribuindo com o Pai Criador, com o nascimento de seus oito filhos lindos e saudáveis. Alfredinho praticamente da minha idade. Ele e eu éramos cheios de sardas no rosto (enferrujadinhos) e cabelo amarelo.

Estudando a nossa esclarecedora Filosofia Espírita, acrescento algo que me fascinava. Hoje sei que ela se encaixa na categoria de médium curadora.  Não existia médico com facilidade que atendessem nos sítios do interior do Paraná. Muitos adultos e crianças adoentados a procuravam, por saberem que ela fazia os partos da região e curava animais doentes e pessoas. Ela receitava medicina caseira para todo mundo. Seu jardim de ervas devia ser muito rico, para mim eram só plantas, mas ela sabia o que cada planta oferecia para cada pessoa. Presenciei centenas de curas só com prece, “benzimento” com galho de arruda e água como ela dizia. 

Através de algo que eu hoje posso compreender um pouco, ela já entendia, ela descrevia a condição de saúde da criança ou da pessoa, retirando um fio de cabelo da pessoa e colocando sobre sua unha! Vi isso muitas e muitas vezes. Era pra mim supernormal que assim ela fizesse! Hoje sei que era sua mediunidade abençoada.  Interessante que me veio à tela mental todo o filme dos tempos que vivi em sua casa por um ano e, também, durante as férias escolares. Casa sempre cheia de gente, lembrando meu avô e tios talvez mais novos do que eu. Uma família grande! Minha avó, assim como meus pais, era devota de Nossa Senhora Aparecida – por isso me chamo Elsa Aparecida, com muita alegria, por ter tido quando ainda pequenina uma enciclopédia viva me dando algumas dicas de viver. Não me recordo de seus momentos tristes, que com certeza deve ter tido.

Ah, que saudades! Obrigada por me deixar ser sua neta e por você ter-me iniciado com tenra idade no louvor à vida, seja aqui ou em qualquer terra de além-mar! E obrigada ao nosso Jornal Imortal por me deixar extravasar o que está cheio de amor e saudades em meu coração.

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Elsa Rossi, escritora e palestrante espírita brasileira radicada em Londres, é presidente da BUSS - British Union of Spiritist Societies.



Comentário

2 Comentários

  1. Ahh, minha querida Elsa Aparecida, quantas pérolas para um colar de memórias tão delicadas. Memórias, tesouro que nossos avós e nossos pais tecem acalentando os sentimentos nossos. Muito obrigado por dividir conosco.

    Elsa. Adorei seu texto. Me fez lembrar dos momentos maravilhosos que tive com minha avó Dulce. Parabéns. E obrigado.