Os dois fundamentos

Após quarenta dias de silêncio e meditação, Jesus dá a primeira e mais importante mensagem ao povo, conhecida como o Sermão da Montanha, ou Sermão do Monte ou das Bem-Aventuranças, trazendo os fundamentos do Cristianismo e um código de conduta moral. Deixa-nos palavras consoladoras de fé, resignação nas adversidades, misericórdia e mansidão nas lutas.

Encerrando a mensagem, Jesus pronuncia as seguintes palavras: “Todo aquele, pois, que ouve estas palavras e as pratica, será comparado a um homem prudente que edificou sua casa sobre a rocha. E caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com ímpeto contra aquela casa, que não caiu, porque fora edificada sobre a rocha. E todo aquele que ouve as minhas palavras e não as pratica será comparado a um homem insensato que edificou a sua casa sobre a areia. E caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com ímpeto contra aquela casa, e ela desabou, sendo grande a sua ruína”. (Mateus, 7:24-27.)

A advertência de Jesus, nessas últimas palavras, é, em verdade, um convite para que tenhamos consciência da nossa responsabilidade diante das escolhas que fazemos.  Essa conclusão do sermão resume, portanto, o seguinte: a essência da sabedoria e da felicidade da vida está em realizar as grandes verdades, e não somente em ouvi-las.

Mas que palavras foram essas que Jesus proferiu e que devemos colocar em prática? Jesus estimula o que temos de melhor, convidando-nos a ser perfeitos como nosso Pai Celestial é perfeito; para que não nos percamos na transitoriedade de tudo que seja material e para nos atermos ao que seja essencial e perene: a vida do Espírito; lembra-nos para rever ideias, atitudes, buscando pensar e fazer melhor do que se pensou e fez hoje; diz-nos para nos reconciliarmos, através do perdão, com nossos adversários, nossos desafetos; convida-nos a fazer caridade sem ostentação e a orar com amor, humildade, simplicidade, estabelecendo ligação harmoniosa com o Plano Maior.

No trecho evangélico, alvo da nossa atenção, o Mestre classifica os seres humanos em duas categorias: o homem sensato que edificou sua casa sobre rocha e o imprudente que edificou sua casa sobre areia movediça. Sob esse aspecto, podemos encontrar três interpretações das palavras de Jesus:

A primeira mostra que o livre-arbítrio, ou seja, o direito de escolher o caminho para nossa evolução espiritual é uma força criadora, capaz de levar o homem a realizar em si o que antes não existia. Estamos falando da transformação dos seus sentimentos, das mudanças na nossa forma de agir e pensar em relação ao outro.

Um exemplo bastante significativo é o da Parábola dos Talentos, na qual os dois primeiros servos – servos bons e fiéis – duplicaram as moedas que haviam recebido do seu senhor, entendendo o senhor como Deus, e, as moedas, representando os talentos que todos nós possuímos. Isto significa que transformaram o “pouco” que receberam no “muito” da sua capacidade.

O Mestre coloca a suprema sabedoria do homem no fato de ela poder realizar, isto é, colocar em prática, através das suas escolhas, aquilo que ouviu e compreendeu como sendo a Verdade. Analisando o ensinamento, podemos perceber que Ele não se refere a nada que seja externo ao homem, que esteja no mundo exterior, mas a criação de algo interno, de uma modificação essencial, isto é, da modificação do ego, do ser egoísta, em um ser consciente da sua condição de filho de Deus e, portanto, irmão do outro.

Isto acontece com o homem que edificou a casa da sua vida sobre a rocha da Verdade; Verdade essa que, plenamente vivida, gera a liberdade, liberdade que gera a felicidade. Esse homem consciente modifica as suas vivências em todos os setores da vida. Um exemplo clássico que podemos observar: Um homem é tido como calmo e cordato na casa de oração que frequenta, ou na vida social, ou mesmo no seu local de trabalho. Todavia, no lar, aborrece-se porque as coisas não acontecem como deseja, segundo seus caprichos.

O outro homem “edifica a casa da sua vida sobre areia movediça de ruidosas atividades materiais, sociais e intelectuais; a sua vida se parece em tudo com uma enorme quantidade de grãozinhos de areia, justapostos, desconexos, sem nenhuma coesão interna”.¹ Toda sua vida é repleta de quantidades e poucas ou nenhuma qualidade.

Uma segunda interpretação sobre nosso tema é a seguinte: Jesus compara a crença com um edifício. “A boa crença é semelhante ao sólido edifício construído sobre a rocha; a má crença é como um edifício de má construção, levantado sobre areia movediça.”²

A primeira, a boa crença, nasce do estudo, da análise, da observação. Ela é ativa, racional e científica. A segunda, a má crença, é passiva, que aceita todos os dogmas, as verdades que lhe são sugeridas, sem um exame cuidadoso, sem convicção que possa sustentar os homens em momentos tumultuosos, de grandes aflições.

O que Jesus apresenta no final do Sermão da Montanha é uma alegoria belíssima. Vejamos então: Quando pensamos na construção de uma boa casa, resistente às intempéries, alguns cuidados devem ser tomados. É preciso procurar um bom terreno e construir alicerces sólidos para sustentarem o peso dela.  Outros não se importam muito com esses cuidados e acabam levantando construção que oferece perigo aos seus moradores.

“Assim é a Religião: quem procura com boa vontade e livre de ideias preconcebidas a Verdade, e está disposto a abraçá-la, está edificando sobre rocha: quem se submete a qualquer doutrina, sem consciência do que faz, edifica sem base e em terreno movediço.” ²

Mas não basta encontrar o terreno, como não basta encontrar a Verdade para tê-la dentro de si. É preciso construir a crença como se constrói a casa.  Para se levantar a casa, necessitamos dos alicerces; para se erguer a crença, é preciso buscar o material vindo do Céu. E esse alicerce só terá razão de ser se somarmos a esse material divino o nosso trabalho e o nosso esforço. E mais sólido e belo será esse edifício quanto maior for a dedicação para terminá-lo, e tornar-se nosso abrigo eterno. São nas intempéries, nas provações da existência que encontramos, nessa crença bem construída, a calma, a coragem e a fortaleza para vencermos as lutas do dia a dia.

Uma outra interpretação dessa passagem evangélica e que também merece destaque diz respeito aos pregadores do Evangelho, em uma palavra, seus divulgadores. Essas pessoas sempre foram tidas como expressões máximas do Cristianismo; mas isso só aconteceu quando – nas palavras de Emmanuel – esses homens não esqueceram a vigilância indispensável ao correto testemunho: “Falo e ajo em consonância com o Evangelho que prego”.

É interessante notar que o Mestre destaca, entre todos os seus discípulos, aquele que lhe ouve os ensinamentos e os pratica. Concluindo-se, daí, que não basta ser portador de talentos com a palavra, de ser orador brilhante, mas é fundamental que o discípulo de Jesus seja, igualmente, portador da atenção e da boa vontade, ante os ensinos do Mestre, examinando o seu conteúdo espiritual, a sua essência, para aplicar primeiro em si próprio, no esforço diário de renovação moral.

Continua nosso estimado benfeitor espiritual a nos informar que todas as criaturas em serviço no campo evangélico – não importa qual seja a tarefa – seguirão em direção à fé verdadeira, baseada nos alicerces da Verdade, da casa construída sobre rocha. Isso será inevitável. Mas, afirma ele, que não podemos nos esquecer do valor dos homens moderados que, exemplificando os ensinos e avisos da Boa Nova, cuidaram e cuidam da solução de problemas do dia a dia, ou de dificuldades circunstanciais, “sem permitirem que suas edificações individuais se processem longe das bases cristãs imprescindíveis”³.

Bibliografia:

1 - ROHDEN, Huberto. Sabedoria das Parábolas – 12ª ed., Editora Martin Claret, SÃO PAULO/SP – “Casa sobre rocha – casa sobre areia” - 1997- pp. 47-51.

2 – SCHUTEL, Cairbar. Parábolas e Ensinos de Jesus – 14ª ed., Casa Editora O Clarim, MATÃO/SP – “Os dois Fundamentos” - 1997 – pp. 156-158.

3 – EMMANUEL (Espírito). Pão Nosso – [psicografado por Francisco Cândido Xavier], - 17ª ed., FEB – BRASILIA/DF – 1996 – Lição nº 09.



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