Mitos

A história do homem é a consequência dos mitos e crendices que ele elaborou para a sobrevivência, para o seu pensamento ético.

Medos e ansiedades, aspirações e sofrimentos estereotipam-se em fórmulas e formas mitológicas que lhe refletem o estágio evolutivo, em alguns deles perfeitamente consentâneos com as suas conquistas contemporâneas.

As concepções indianas lendárias, as tradições templárias dos povos orientais, recuperam as suas formulações nas tragédias gregas, excelentes repositórios dos conflitos humanos, que a mitologia expõe, ora com poesia, em momentos outros com formas grotescas de dramas cruéis.

A vingança de Zêus contra Prometeu, condenado à punição eterna, atado a um rochedo, no qual, um abutre lhe devorava o fígado durante o dia e este se refazia à noite para que o suplício jamais cessasse, humaniza o deus vingador e despeitado, porque o ser, que ele criara, ao descobrir o fogo, adquirira o poder de iluminar a Terra, tornando-se uma quase divindade. O ciúme e a paixão humana cegaram o deus, que se enfureceu.

O criador desejava que o seu gerado fosse sempre um inocente, ignorante, dependente, sem consciência ética, sem discernimento, a fim de que pudesse, o todo-poderoso, nele comprazer-se.

A desobediência, ingênua e curiosa do ser criado, trouxe-lhe o ignóbil, inconcebível e imerecido castigo, caracterizando a falência do seu gerador.

Com pequenas variações vemos a mesma representação em outros povos e doutrinas de conteúdo infantil, que se não dão conta ou não querem encontrar o significado real da vida, a sua representação profunda, castigando aqueles que lhe desobedecem e preferem a idade adulta da razão, abandonando a infância.

O pensamento cartesiano, com o seu “senso prático”, deu-lhes o primeiro golpe e lentamente decretou a morte dos mitos e das crenças.

Se, de um lado, favoreceu ao homem que abandonasse a tradição dos feiticeiros, dos bichos-papões, das cegonhas trazendo bebês, eliminou também as fadas madrinhas, os gênios bons, os anjos-da-guarda. E quando já se acreditava na morte dos mitos, considerando-se as mentes adultas liberadas deles, eis que a tecnologia e a mídia criaram outros hodiernos: ¬ os super-homens, os He-man, os invasores marcianos, os homens invisíveis, gerando personagens consideradas extraordinárias para o combate contra o mal sem trégua em nome do bem incessante.

Concomitantemente, a robótica abriu espaços para que a imaginação ampliasse o campo mitológico e as máquinas eletrônicas, na condição de simuladores, produzissem novos heróis e ases vencedores no contínuo campeonato das competições humanas.

O exacerbar do entusiasmo tornou a ficção uma realidade próxima, permitindo que os jovens modernos confundam as suas possibilidades limitadas com as remotas conquistas da fantasia.

Imitam os heróis das histórias em quadrinhos, tomam posturas semelhantes aos líderes de bilheteria, no teatro, no rádio, no cinema, na televisão e chegam a crer-se imortais físicos, corpos indestrutíveis ou recuperáveis pelos engenhos da biônica, igualmente fabricantes de seres imbatíveis.

Retorna-se, de certo modo, ao período em que os deuses desciam à Terra, humanizando-se, e os magos com habilidades místicas resolviam quaisquer dificuldades, dando margem a uma cultura superficial e vandálica de funestos resultados éticos.

A violência, que irrompe, desastrosa, arma os novos Rambos com equipamentos de vingança em nome da justiça, enfrentando as forças do mal que se apresentam numa sociedade injusta, promovendo lutas lamentáveis, sem controle.

As experiências pessoais, resultado das conquistas éticas, cedem lugar aos modelos fabricados pela imaginação fértil, que descamba para o grotesco, fomentado o pavor, ironizando os valores dignos e desprezando as Instituições.

A falência do individualismo industrial, a decadência do coletivismo socialista deram lugar a novas formas de afirmação, nas quais o inconsciente projeta os seus mitos e assenhoreia-se da realidade, confundindo-a com a ilusão.

As virtudes apresentam-se fora de moda e a felicidade surge na condição de desprezo pelo aceito e considerado, instituindo a extravagância — novo mito — como modelo de autorrealização, desde que choque e agrida o convívio social.

O perdido “jardim do Éden” da mitologia bíblica reaparece na grande satisfação do “fruto do pecado”, transformando a punição em prazer e desafiando, mediante a contínua desobediência, o Implacável que lhe castigou o despertar da consciência.

Na sucessão de desmandos propiciados pelos mitos contemporâneos, toma corpo a saudade da paz — inocência representativa do bem — e a experiência, demonstrando a inevitabilidade dos fenômenos biológicos do desgaste do cansaço, do envelhecimento e da morte, propicia uma revisão cultural com amadurecimento das vivências, induzindo o ser a uma nova busca da escala de valores realmente representativos das aspirações nobres da vida.

A solidão e a ansiedade que os mitos mascaram, mas não equacionam, rompem a couraça de indiferença do homem pela sua profunda identidade, levando-o a um amadurecimento em que o grupo social dele necessita para sobreviver, tanto quanto lhe é importante, favorecendo-o com um intercâmbio de emoções e ações plenificadoras.

Os mitos, logo mais, cederão lugar a realidades que já se apresentam, no início, como símbolos de uma nova conquista desafiadora e que se incorporarão, a pouco e pouco, ao cotidiano, ensinando disciplina, controle, respeito por si mesmo, aos outros, às autoridades, que no homem se fazem indispensáveis para a feliz coexistência pacífica.


Do livro O Homem Integral, Segunda Parte, cap. 10, obra de Joanna de Ângelis, obra psicografada pelo médium Divaldo Franco.



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