Dias melhores virão quando não tivermos mais medo de olharmos para nós mesmos

O medo é uma emoção. A ansiedade é um sentimento. A emoção vem antes do sentimento, uma vez que este está ligado ao conjunto de reações neuroquímicas a partir de estímulos ambientais, enquanto que aquele é a conscientização do indivíduo a partir daquela emoção, gerando um sentimento. Portanto, posso me sentir ansioso(a) a partir do medo que obtive em face de uma situação específica.

Atualmente, estamos vivenciando, a nível mundial, uma situação para a qual não nos havíamos preparado previamente no âmbito físico, psíquico, financeiro, social e espiritual: a pandemia e o distanciamento social. A partir desta contingência muitos aspectos em nossas vidas foram obrigados a serem revistos, mesmo que não queiramos e, desta forma, deparamos uma situação da qual estávamos fugindo há muito tempo: O olhar para si.

Medo. Esta foi a primeira emoção que muitos tiveram ao tomarem consciência da real situação em que nos encontramos. Joanna de Ângelis nos afirma que o medo em relação ao desconhecido é uma ocorrência normal. O medo é uma emoção necessária, uma vez que nos dá prudência. Este é um estado de alerta extremamente importante para a sobrevivência humana. Uma pessoa sem medo nenhum pode expor-se a situações extremamente perigosas, arriscando a própria vida, sem medir as possíveis consequências trágicas de seus atos. “Todavia, quando extrapola, gerando situações conflitivas, dando espaço à imaginação atormentada, pode-nos propiciar ansiedade.” (Conflitos Existenciais – Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis).

Ansiedade. Considerada o mal do século. Segundo Joanna de Ângelis, a ansiedade é, na conjuntura social da atualidade, um grave fator de perturbação e de desequilíbrio, que merece cuidados especiais, observação profunda e terapia especializada. Entretanto, tão necessária quanto o medo: “A ansiedade natural, o desejo de que ocorra o que se aguarda, expectativa em torno dos fenômenos existenciais compõem um quadro saudável na existência de todos os indivíduos equilibrados” (Conflitos Existenciais – Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis).

Estamos com medo das incertezas do futuro e, ao mesmo tempo, ansiamos por um futuro melhor. Certamente que nenhum ser humano no Planeta Terra apenas experimentou medo ou ansiedade após a pandemia. Por isso, refaço esta afirmação: Estamos o tempo todo com medo das incertezas do futuro e, ao mesmo tempo, ansiamos por um futuro melhor, mesmo antes da pandemia. E acrescento mais: Levamos conosco culpas do passado, temos medos das incertezas do futuro e ansiamos por um futuro melhor. Enquanto isto, o presente permanece sem investimentos. Desejamos os resultados, não as etapas necessárias para se alcançar o resultado. “Ninguém atinge o acume de um monte sem haver superado as dificuldades iniciais das baixadas. Vencida uma etapa, mais fácil torna-se o avanço na direção de outra até ser conseguido o objetivo buscado.” (Conflitos Existenciais – Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis).

Este momento atual apenas intensificou nossas reações, uma vez que nos deparamos com a fragilidade de nossa vida física e daqueles que amamos. À nível biológico, Joanna de Ângelis nos afirma que nosso Sistema Nervoso Central tem a capacidade de suportar uma grande carga emocional, diluindo-as ou transferindo-as de localização. O intuito deste deslocamento é para que nossas emoções sejam exteriorizadas em formas de sentimentos como sinais de alerta. Entretanto, estamos ignorando estes alertas há muito tempo.

O medo que paralisa. A ansiedade que consome. A culpa que nos afunda. A autodepreciação que nos impede. A sensação de incapacidade que não nos permite acreditar. Qual o sentido da minha encarnação, se sofro tanto? Allan Kardec, na questão 132 do O Livro dos Espíritos, pergunta e os espíritos respondem: “Deus lhes impõe a encarnação com o objetivo de fazê-los chegar à perfeição (...) Todavia, para alcançarem essa perfeição, devem suportar todas as vicissitudes da existência corporal”. Por vicissitudes, entendemos como sequências de mudanças e transformações. Estado que alterna constantemente.

Certamente não somos mais a mesma pessoa que éramos há 5 anos atrás, tampouco somos a mesma pessoa que no início de 2020. A vida nos convida o tempo todo para mudanças, sem exceção, em direção a nossa evolução. Será que aceitamos este convite? Estamos dispostos, de fato, a deixarmos para trás tudo o que nos estagna? Hipócrates, o pai da Medicina, sabiamente nos disse um dia: “Antes de curar alguém, pergunta-lhe se está disposto a desistir das coisas que o fizeram adoecer”. Somente iremos alcançar um futuro melhor, que tanto ansiamos, quando não tivermos mais medo de olharmos para nós mesmos.

Uma vez assumidas as próprias dificuldades, estaremos dando um dos passos necessários para superá-los. Porém, antes de superá-los precisamos reconhecê-los e para reconhecê-los precisamos nos conhecer. O termo “autoconhecimento” se tornou bastante conhecido há alguns anos. Receio que tudo o que se torna muito falado acaba por banalizar sua real importância, entretanto, o intuito é desmistificar este conceito.

Será que somos capazes de amar algo que não conhecemos? Para uma simples admiração, um conhecimento prévio deve ser feito. Como seremos capazes de nos amarmos verdadeiramente se não nos conhecemos? Só se consegue ter autêntico bem-querer quando se opera a viagem do autoconhecimento, por meio de contínuas observações sobre o próprio corpo físico, o comportamento, as percepções, os sentimentos, os pensamentos, os impulsos, os instintos, seus valores e princípios que estão norteando suas escolhas de conduta no dia-a-dia.

Infelizmente, nossas reflexões acerca dos acontecimentos de nossas vidas, são direcionadas, muitas vezes, para um lado equivocado: O foco no problema em si e não em suas possíveis causas externas, e, principalmente, internas. Desperdiçamos muito tempo e energia no processo de negar tudo aquilo que não aprovamos em nós, como se ignorar a existência de nossas dificuldades fosse a solução para elas, responsabilizando terceiros pelo nosso próprio sofrimento (Fugas psicológicas segundo Joanna de Ângelis).

A partir dos diversos estudos sobre o comportamento humano, têm-se a conclusão de o que provocam os transtornos não é o problema em si. Pessoas reagem de formas diferentes frentes situações semelhantes. As expressões emocionais e biológicas expressam-se de maneira muito própria, variando de um para outro indivíduo, tendo em vista sua constituição emocional. Portanto, o problema não é o problema, mas como reagimos diante dele. “Quando os desafios não são direcionados com sabedoria e enfrentados com valor, apresentam-se como conflitos perturbadores que enfermam” (Conflitos Existenciais - Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis).

Somos os próprios gestores de nossa existência, a partir da educação, do conhecimento, e do exercício que se encarregam de transformar nossos hábitos que impedem que nossos potenciais germinem. Isto é o que iremos chamar de ressignificação e de resiliência.

Ressignificação consiste em atribuir novos significados aos acontecimentos, mudando sua visão de mundo. O significado de todo acontecimento e experiências de nossas vidas depende do filtro pelo qual o vemos. Quando modificamos o filtro pelo qual percebemos o mundo, alteramos seu significado para nós. Disso resulta não só a mudança de visão, mas também como nos comportamos diante dele. Resiliência é a autoaceitação, uma vez que apesar dos traumas, apesar das dores, ainda há o desejo de amar e ser amado (a). É a esperança.

O autoconhecimento consiste, justamente, nesse olhar interior que nos permite descobrir quem realmente somos, o que queremos e quais as razões e as motivações que impelem nosso comportamento perante a vida e as pessoas. Porém, se por um lado, o autodescobrimento nos possibilita desvendar nosso lado negativo, por outro, ele incentiva a buscar meios para a sua superação, porque, em nós, encontram-se tanto a causa como a solução de nossos embaraços. "Se todos os encarnados se achassem bem persuadidos da sua força que em si trazem, e se quisessem pôr a vontade a serviço dessa força, seriam capazes de realizar o que, até hoje, eles chamariam prodígios e que, no entanto, não passa de um desenvolvimento das faculdades humanas." (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XIX, it 12).

Todavia, para tanto, deve-se haver um esforço pessoal. “Essa felicidade, porém, deverá ser conquistada, passo a passo, mediante o esforço pessoal e o investimento de luta, de modo que desabrochem os seus potenciais que impulsionam à conquista da glória.” (Conflitos Existenciais - Divaldo Franco pelo espírito Joanna de Ângelis). Desse modo, entende-se que a felicidade no mundo é possível, desde que seja desenvolvido o empenho por consegui-la. Entretanto, temos enraizado em nós um conceito equivocada de paz, onde entendemos como ausência de conflito e perturbação. Esta é uma visão infantil de paz, onde só navegaremos no barco na vida quando o mar estiver calmo.

“Que eu possa me capacitar, não importam quais sejam as ondas turbulentas da navegação do dia, mas que eu consiga chegar até o final do dia de forma serena e tranquila.” Esta é a construção de uma capacidade de que não pede que o mundo mude, mas que independente de como o mundo esteja, eu não perca a minha paz interna. Esta é a verdadeira entrega que O Evangelho segundo o Espiritismo nos propõe: “Ajuda-te, que o Céu te ajudará”, ou seja, faze a tua parte que o céu te ajudará, porém invertemos esta passagem, e em nossa pequenez evolutiva lemos: O céu vai me ajudar pra fazer a minha parte.

Toda vez que se tenta evitar esforço e luta, opera-se em sentido contrário às leis da vida, que impõem movimento e ação como recursos de crescimento psicológico, moral, intelectual e espiritual. Ninguém cresce ou se desenvolve em estado de paralisia. Nada de novo ocorre em sua zona de conforto. Para tanto, em muitos casos, necessitamos de ajuda.

Para procurarmos auxílio, que fujam de nossas próprias competências, seja espiritual ou terrena, a partir das ciências mundanas, tal como a Psicologia, ou, a partir do Atendimento Fraterno, deve-se haver uma humildade, ao reconhecer de que não estamos dando conta só. Isto não nos torna menor ou incapaz. Buscar o outro é um gesto de humildade e de conquista de fraternidade, onde este outro irá me acrescentar. Esta será uma relação em que momentaneamente, enquanto me encontro em dificuldade de caminhar, tenho um suporte para que após isto, eu possa retornar minha caminhada com meus próprios pés, para que posteriormente, eu possa auxiliar outros mais.

Troquemos o peso da culpa, pela motivação de responsabilidade de ser quem você quer ser. “Aceitar-se não é ser conveniente com os próprios erros ou acreditar que podemos combater todas as nossas incoerências e fraquezas de uma vez só.” (Eu escolho ser feliz – Rossandro Klinjey). O livro O Céu e Inferno já nos explica: “Uma só existência corporal é manifestamente insuficiente para o Espírito adquirir todo o bem que lhe falta e eliminar o mal que lhe sobra.” Por isto, é um processo, e, como todo um processo, necessita-se um caminho a percorrer.

Quando me aceito, uso minhas limitações como um ponto de partida, um marco para, a partir dali, desenvolver cada vez mais meu potencial. “Não busco ser melhor para superar minhas limitações, eu uso minhas limitações como alavanca e norte que me indicam, exatamente o que, em mim, quero mudar e avançar.” (Eu escolho ser feliz - Rossandro Klinjey). Conclui-se, portanto, que dias melhores virão, quando não tivermos mais medo de olharmos para nós mesmos.


Referências bibliográficas:

Conflitos Existenciais – Divaldo Franco pelo Espírito Joanna de Ângelis.

Eu escolho ser feliz – Rossandro Klinjey.

O Amor pede passagem – Alberto Almeida.

O Livro dos Espíritos – Allan Kardec.

O Céu e o Inferno – Allan Kardec.

O Evangelho segundo o Espiritismo – Allan Kardec.

___________________________________________________________________________________

Gabriella Mulè é estudante de Psicologia e administradora do perfil @cientistaespirita



Comentário

0 Comentários